Haja Vista

Histórias de um repórter com baixa visão

Haja Vista - Filipe Oliveira
Filipe Oliveira
Descrição de chapéu Filmes

Aplicativos mudam cenário da acessibilidade em cinemas

Quase 9 mil downloads de recursos de audiodescrição e Libras foram feitos em quinze dias, diz empresa

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São Paulo

Até pouco tempo, ir ao cinema era algo que eu e um grupo de pessoas com deficiência visual de São Paulo fazíamos quase exclusivamente em um mês do ano.

A turma aparecia em peso quando chegava abril para ver até três ou quatro filmes em um mesmo dia no Festival Sesc Melhores Filmes, que reprisa os destaques do ano anterior.

Como as sessões do evento tradicionalmente contavam com recursos de acessibilidade, passávamos o dia a pão de café na lanchonete da sala aconchegante na rua augusta para não perder nenhum filme, não importava que fosse brasileiro, americano, japonês ou iraniano. Valia documentário sobre música, blockbuster, filme cabeça, terror ou desenho animado. Afinal, provavelmente seria a primeira e a última oportunidade de assisti-los com audiodescrição,

Por esse recurso, é possível ter acesso ao conteúdo das imagens do filme a partir de uma narração complementar que, no caso do cinema, costuma ser ouvida a partir de fones. Ela apresenta ações, cenários e aparência de personagens, preferencialmente durante momentos em que não há fala. No festival, os audiodescritores, que acabavam ficando amigos do pessoal, também faziam ao vivo a leitura das legendas dos filmes que não eram falados em português.

Restaram boas memórias dessas maratonas de cinema, mas tudo indica que agora não será mais preciso esperar com tanta avidez para ver, depois de todo mundo, filmes que saíram de cartaz há meses.

Em janeiro deste ano títulos como "O Gato de Botas 2", "Os Fabelmans"," Frevo" e "Nas Ondas da Fé", entre outros, apareceram nos apps MovieReading e Mobi Load.

Por estes serviços, se faz download gratuito da audiodescrição e da interpretação em Libras dos filmes que estão nos cinemas.

Não é possível assistir a esse conteúdo de casa, pois ali não há a imagem nem o som original dos longas, apenas os recursos para torná-los acessíveis. Além disso, a audiodescrição ou a interpretação em Libras só são acionadas quando o celular identifica que o filme está sendo exibido no local.

Ou seja, é preciso que o microfone do aparelho capte e reconheça os sons do filme e, assim, sincronize a audiodescrição ou a tradução das falas com o que está na tela. Em teste realizado por mim neste ano com o Movie Reading, a sincronização aconteceu com facilidade, após poucos segundos do início do "Gato de Botas 2".

Maurício Santana, diretor da empresa Iguale, responsável pelo aplicativo de origem italiana MovieReading no Brasil, diz que o serviço passou por auditorias do mercado antes de ser homologado pela Abraplex (Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex), no final de 2022.

Além de ser confirmado que o aplicativo não concorreria com o cinema, também foram verificadas a segurança do serviço e sua confiabilidade, afirma.

A Iguale é uma das empresas que produz conteúdo audiodescrito e com Libras para tornar os filmes acessíveis, mas o aplicativo Movie Reading também traz recursos de acessibilidade feitos por outras empresas do mercado, explica Santana.

Ele recomenda o uso de um fone sem microfone para que o aplicativo funcione com mais agilidade na hora de captar o som da sala e sincronizar a acessibilidade.

Após dois adiamentos, o oferecimento de acessibilidade nos cinemas brasileiros passou a ser obrigatório em 2023.

A Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, exigia a adaptação das salas até o início de 2020. A pandemia e seu impacto financeiro nos cinemas foi um dos argumentos usados para defender a última ampliação do prazo de adequação, concretizado a partir de Medidas Provisórias da Presidência.

Não estão obrigados a contar com acessibilidade apenas os filmes que são exibidos em menos de 20 salas simultâneas, os que estão sendo apresentados em mostras e festivais e aqueles lançados antes do início da vigência da lei.

O uso de aplicativos com conteúdo acessível tem a vantagem de garantir que o espectador poderá ir a qualquer sala de cinema do Brasil.

Nos últimos anos, algumas salas já vinham adquirindo aparelhos próprios para oferecer audiodescrição, com equipamento semelhante ao usado para transmissão de tradução simultânea.

Por um lado, a sala ter o equipamento parece adequado, por tirar do usuário a responsabilidade de baixar o aplicativo e ir atrás dos recursos de acessibilidade. Esse modelo também tem a vantagem de não transferir à pessoa com deficiência a necessidade de ter um aparelho com bateria e memória suficientes para rodar um dos apps e a experiência com tecnologia necessária para usá-lo.

Mas, na prática, os cinemas divulgavam mal, quando divulgavam, para quais filmes a audiodescrição estava disponível. Além disso, nem sempre os funcionários conheciam o recurso e sabiam explicar como ele funcionava. Ou seja, a logística, custo, falta de investimento e a dificuldade para espalhar a informação fizeram com que o avanço por esse meio fosse lento e a experiência do usuário frustrante.

Há indicações de que o rítmo será outro a partir de agora.

Segundo Santana, da Iguale, nos primeiros 15 dias de janeiro, foram realizados quase 9.000 downloads de trilhas de audiodescrição ou de Libras no aplicativo.
Não é possível saber quantos desses downloads já resultaram em idas ao cinema, mas o número indica que seriam necessárias muitas e muitas salas de cinema iguais aquela que eu e meus amigos esperávamos o ano todo para voltar para dar conta de tanta gente que vai se beneficiar de uma novidade como essa.

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