Haja Vista

Histórias de um repórter com baixa visão

Haja Vista - Filipe Oliveira
Filipe Oliveira

'Arte salvou minha vida', diz grafiteiro surdo que participa de exposição em São Paulo

Odrus, que esteve em instituições de ressocialização na adolescência, quer inspirar outras pessoas com deficiência e participa de mostra no Itaú Cultural

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São Paulo

O grafiteiro Odrus, , nome artístico de Rafael Caldeira dos Santos, diz que a arte salvou sua vida. Por meio dela, deixou passado de revolta e falta de perspectiva. Agora, aos 40 anos, afirma querer inspirar mais pessoas que, assim como ele, têm deficiência auditiva ou têm menos acesso a oportunidade por limitações físicas, sensoriais, cor ou origem.

O artista conta ter vindo de um contexto de exclusão social e isolamento que o levaram a cometer assaltos na adolescência, resultando em internações em instituições de ressocialização: "Venho da periferia, de juventude de muitas privações, sofrendo preconceito e vivendo em um tempo em que havia poucos intérpretes de Libras. Fui por um caminho ruim, mas a arte me salvou. Agora, quero mostrar que, através dela, podemos ser o que quisermos", disse o grafiteiro, que se expressa por meio da Libras (Língua Brasileira de Sinais).

Uma marca frequente em seus desenhos é a presença de um personagem negro como o artista e que usa um boné. No início, a deficiência aparecia principalmente na assinatura do artista —Odrus vem da palavra surdo, lida de trás para frente. Com o tempo, porém, o artista percebeu que nem todos entendiam a referência a sua deficiência auditiva e, por isso, ele passou a incluir sinais em Libras em parte de seus grafites, contou. Dessa forma, mais surdos poderiam se identificar com seu trabalho e se inspirar por ele, explicou.

O artista Odrus agachado, à frente de uma parede com grafite com um menino negro de óculos escuros e duas formas geométricas. A assinatura do artista aparece no canto inferior direito - Arquivo pessoal

Segundo Odrus, um amigo o apresentou a cultura Hip Hop e ao grafitti há pouco mais de 20 anos e ele logo se apaixonou por esse modo de se expressar.

Odrus conta que, no início, sofreu novo preconceito, por muitos acreditarem que seu grafite não era arte e estaria associado à ilegalidade ou à malandragem. Hoje vive de encomendas de trabalhos que recebe, principalmente para ilustrar fachadas de comércios e de escolas em Brasília, onde mora.

"Julgavam muito o que eu fazia. Mas, como eu acreditava, tive paciência de mostrar que o que produzo é arte. Foi preciso arregaçar as mangas e não desistir", , disse por vídeoconferência, enquanto terminava de grafitar o muro de um comércio com o desenho de um homem negro tendo o carro lavado por outro homem vestindo macacão.

Para proporcionar novos encontros transformadores com a arte como o que ele próprio teve, Odrus já realizou oficinas na Fundação Casa. Questionado sobre quais são seus próximos objetivos, ele diz querer dar mais aulas para minorias e pessoas em situação de vulnerabilidade. "Meu sonho é inclusive atingir pessoas de outros países, no continente africano e na Índia", afirmou.

O trabalho de Odrus estará em exposição no Itaú Cultural, em São Paulo, até o dia 30 de julho, como parte da mostra "Além das Ruas, Histórias do Graffiti", que apresenta o trabalho de 50 grafiteiros. A entrada é gratuita, de terça a sábado, das 11h às 20h enos domingos e feriados das 11h às 19h, na avenida Paulista, 149.

"É muito importante ter uma pessoa com deficiência nessa exposição. É uma oportunidade de outras pessoas surdas me vejam como modelo de alguém que produz arte e em quem podem se inspirar", afirmou.

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