Num cantinho com sombra, perto da entrada de onde ocorria uma competição de judô, Flávia Higino, 45, aguardava o momento para assistir a luta de sua filha, Rafaela, 11. Com a mãe, sacolas com água, roupas, toalha e marmitas. "As competições são assim. Você precisa trazer tudo e estar sempre preparada", conta a nutricionista, que também estava acompanhada da filha mais velha, Beatriz Higino, 14.
No judô paralímpico desde o ano passado, Rafa, que nasceu com glaucoma congênito, explica que o esporte tem sido uma importante ferramenta para sua vida. "Cada luta é uma experiência diferente. Aprendemos que acima de tudo temos que respeitar nosso adversário", diz a judoca que foi ouro e bronze em campeonatos recentes.
Além do bom desempenho da caçula, Flávia comemora outras conquistas. "Ela se desenvolveu. Ganhou mais disciplina, mais agilidade. Percebia que antes ela era mais retraída e o esporte trouxe mais liberdade para minha filha".
A estudante Meire Costa, 15, também tem deficiência visual e pratica a luta há quase um ano. Também estava ansiosa para o combate que participaria em instantes. "O judô me desestressa. Derrubar a pessoa acaba com qualquer estresse", brinca.
"Não cobro para que minha filha seja a primeira, apenas para que sempre dê o seu melhor", diz o vendedor Cristiano Andrade, 43, que acompanhava a filha Ana Clara de Andrade, 15.
Ana também estuda, faz academia e treina judô em dois locais. "O esporte me deixa leve e me faz ficar mais concentrada. Às vezes dou uma vacilada na luta, mas sempre percebo minha evolução. Ganhando ou perdendo eu vou aprendendo", afirma a jovem que também tem deficiência visual.
Todas elas treinam no CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro) e são federadas pelo São Paulo Futebol Clube, onde têm a oportunidade de lutar com atletas videntes.
O que para muitos seria uma desvantagem, para elas é a chance de adquirir mais técnicas. "Elas têm as manhas para me derrubar, mas lutar com vidente me faz prestar ainda mais atenção", conta Ana Clara.
O judô é uma modalidade que sofre poucas adaptações no paralímpico. O início do combate só ocorre com a pegada feita (os atletas seguram o quimono do adversário) e o árbitro avisa quando os atletas estão distantes da área.
"Eles acabam saindo da zona de conforto e trocam muita experiência nessa lutas", explica Ana Gomes, técnica de judô paralímpico. "Muitos deles chegam tímidos, depois se encontram no esporte e se tornam protagonistas", diz a treinadora.
Rafa, Meire e Ana Clara participaram da 9ª edição da Liga Esportiva Nescau, que ocorreu nos dias 16 e 17 desse mês, em São Paulo. Com o lema "Aqui Todo Mundo joga", o evento gratuito ofereceu 46 modalidades e é considerado o maior campeonato poliesportivo do país. A Liga reuniu cerca de 20 mil pessoas, sendo 57% das participações femininas e 10% de pessoas com deficiência.
"Foi o maior número que tivemos até hoje, e confirmar novos recordes, tanto de inscrições como de participações, comprova que estamos no caminho certo. Estamos motivados a seguir na democratização do esporte, porque a Liga é feita para isso", pontua Luana Carvalho, gerente de marketing da Nescau.
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