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Salvador Nogueira

Não, bilionários não querem ir a Marte para fugir da Terra

Planos de colonização espacial são incertos, mas não esforços de escapismo

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A ideia de associar exploração espacial a algum tipo de escapismo é comum há muito tempo, mas vem ganhando força com o esforço de bilionários para promover a ocupação do espaço e, em particular, a colonização de Marte. Com certa razão até. É muito difícil associar magnatas a atitudes que não sejam mesquinhas e oportunistas, e uma análise superficial pode dar a impressão de que esses ricaços estão mesmo meramente planejando seu plano ultracaro de fuga, depois de promover sem dó a devastação da Terra.

Encontrei o mesmo raciocínio em obras tão diversas e recentes como "O Dia em que Voltamos de Marte", ótimo livro da matemática e historiadora da ciência Tatiana Roque, e "A Vida não É Útil", provocante livreto do pensador Ailton Krenak. E até mesmo uma versão mais arrojada da trama, envolvendo uma viagem a um exoplaneta, foi parar no clássico instantâneo "Não Olhe Para Cima", filme de Adam McKay com Leonardo DiCaprio.

Daí a necessidade de chamar o pessoal à razão e dizer, em alto e bom som: não, bilionários não querem ir a Marte para fugir da Terra. Mesmo a pior e mais devastada versão de nosso planeta (e olhe que estamos fazendo grande esforço para chegar a ela) é um ambiente melhor e mais seguro para a vida humana que as mais benignas instalações que possamos ter em Marte. E os bilionários mais interessados em espaço, Elon Musk e Jeff Bezos, sabem disso. Não por que não tenham seus pontos cegos e mazelas, mas porque são nerds desde antes de serem bilionários.

Concepção artística de uma cidade em Marte, construída graças aos veículos Starship, da SpaceX
Concepção artística de uma cidade em Marte, construída graças aos veículos Starship, da SpaceX - SpaceX

Musk, propositor da colonização de Marte, vê esse esforço não como fuga (ele pessoalmente nem quer ir), mas como decisão estética: em essência, ele defende que o futuro será mais interessante se a humanidade se tornar multiplanetária. Já Bezos, quando faz sua defesa da ocupação do espaço, diz estar pensando na preservação... da Terra. A ideia dele é que, com infraestrutura espacial instalada, será possível levar indústrias pesadas para fora do planeta, deixando-o como um santuário ecológico, onde humanos poderão conviver em equilíbrio com a natureza sem abdicar da vida proporcionada pela tecnologia.

São visões grandiosas –talvez inviáveis, decerto multigeracionais–, mas não escapistas.

Consigo imaginar, milhares de anos atrás, as mesmas críticas serem feitas contra os ancestrais dos Krenak que decidiram fazer a perigosa travessia do estreito de Bering para ocupar a América. Teriam sido eles escapistas? Deixaram para trás alguma terra arrasada na Ásia? Ou meramente seguiram o instinto humano de buscar sempre o próximo horizonte? E que maravilhosas culturas não floresceram em nosso continente por conta dessa ousada, talvez incauta, decisão? Com um vasto futuro em aberto (faz menos de 70 anos que lançamos o primeiro satélite ao espaço), o Sistema Solar pode muito bem acabar sendo nossa verdadeira casa. E a Terra, como já dizia Konstantin Tsiolkovsky, apenas o berço.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, na Folha Corrida.

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