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Música em Letras - Carlos Bozzo Junior
Carlos Bozzo Junior

Seu Jorge responde a ataque racista em vídeo

Vídeo não tem música de fundo, mas traz muito som

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O cantor, compositor, multinstrumentista e ator carioca Jorge Mário da Silva, 52, conhecido pelo nome artístico Seu Jorge, pronunciou-se na noite desta segunda-feira (17) sobre o ataque racista que sofreu, na última sexta-feira (14), em um show que realizou no clube Grêmio Náutico União, em Porto Alegre (RS).

A resposta veio por meio de um vídeo de nove minutos e nove segundos de duração, postado nas redes sociais do artista. Nele Seu Jorge aparece ao lado da reprodução da bandeira do Rio Grande do Sul, discorrendo sobre o fato de ter sido xingado, vaiado e recebido ofensas racistas. Entre as ofensas e xingamentos, o artista foi chamado de "safado" e "vagabundo", ao som de infelizes imitando guinchos de macacos.

Em foto colorida, o  cantor, compositor e ator Seu Jorge
O cantor, compositor e ator Seu Jorge - Reprodução/YouTube

No vídeo postado em resposta ao lamentável fato, Seu Jorge surge elegantemente caminhando, senta-se em uma cadeira branca e inicia um discurso, sem música de fundo, mas que traz muito som em sua voz e conteúdo. Som da voz de quem sofreu um ato repugnante e tem forças para discernir que o estado do Rio Grande do Sul e nem todos os seus filhos não são culpados de tamanha atrocidade.

O início da fala do hostilizado artista traz uma breve história do surgimento do estado que tem por capital Porto Alegre, antes de passar a enaltecer alguns celebres filhos da terra, como o jogador Ronaldinho Gaúcho, o treinador Mano Menezes, o escritor Luis Fernando Verissimo, os reis do fole Renato Borghetti e Bebê Kramer, além do violonista Yamandu Costa e da "imortal" Elis Regina.

Seu Jorge fala da alegria de ter se apresentado e ter levado arte, informação e música para o Rio Grande do Sul, além de reconhecer sua importância econômica, cultural e de sua gente. Disse não ter experimentado ainda um chimarrão. Contudo, certamente sentiu o amargor vindo de quem o ofendeu.

Aos dois minutos do vídeo inicia-se o relato do que ocorreu num cenário de jantar de gala, evento reservado para sócios do clube Grêmio Náutico União, com pessoas muito bem vestidas. "Particularmente não percebi nenhuma pessoa negra no jantar. As pessoas negras que encontrei foram somente os funcionários. Ouvi dizer que eles estavam proibidos de olhar para mim ou falar comigo quando eu chegasse no local do show, mas o importante é que, no final do show, eu falei com todo mundo, abracei e tirei foto com todo mundo", diz o artista no vídeo.

Aí veio o pior: "Quando chegou no final do show, eu saí do palco. Quando cheguei atrás do palco, eu começo a escutar muitas vaias e xingamentos. E logo, por conta disso, eu percebi que não seria possível voltar para fazer o famoso bis. Sozinho retornei ao palco e, de maneira respeitosa, agradeci a presença de todos, me despedi do público presente e me retirei do local do show".

O artista completa, emitindo sua opinião: "Na verdade, o que eu quero dizer aqui é que não reconheci a cidade [Porto Alegre] que aprendi amar e respeitar. Onde fiz inúmeros shows com o Rappa, Planet Hemp, Farofa Carioca e por aí vai...Na verdade, o que eu presenciei foi muito ódio gratuito e muita grosseria racista".

Seu Jorge agradece as pessoas de Porto Alegre que se sensibilizaram com o ocorrido, enviando a ele mensagens de apoio e de repúdio ao comportamento de algumas pessoas do clube. "Comportamento que contribuiu para a vergonha alheia dos demais presentes." E, claro, dos ausentes também.

O artista assegura que sua conexão, por conta disso tudo, com o público gaúcho não se rompeu e não se romperá. "Agora estaremos mais fortes e unidos cada vez mais na luta contra o racismo e toda forma de preconceito e discriminação."

A partir daí, Seu Jorge convoca o povo a denunciar e combater a tipificação de sua gente, respondendo com excelência, preparo, coragem, sabedoria e diplomacia. "Nunca, jamais nos curvaremos ao racismo, intolerância, seja ela qual for. Não cederemos um milímetro sequer ao ódio e combateremos e cobraremos as autoridades que a justiça prevaleça, e os criminosos sejam devidamente punidos. A lei é para ser cumprida". A Polícia Civil já está investigando o caso.

O artista então conclama a grande nação afro-brasileira a se integrar aos movimentos sociais. Mostra, por meio de palavras, sempre sem nenhum fundo musical, que o Brasil tem uma enorme dívida com a população afrodescendente e que não há nenhum programa efetivo de combate à desigualdade e pobreza da população brasileira. "Temos que combater o racismo estrutural e institucional no Brasil."

Após convocar o povo para ir às ruas lutar por seus direitos e por justiça, Seu Jorge finaliza o vídeo citando Racionais MC´s: "Amo minha raça, luto pela cor, o que quer que eu faça, é por nós por amor".

Antes de matar, o racismo discrimina, reprime, acua e exclui brutalmente. Silencia sem dó. Assim como quem dissemina preconceitos contra alguns gêneros musicais, sejam eles quais forem. Sim, há quem prefira o silêncio sepulcral a ouvi-los.

Sabe-se que a audição é o último sentido que perdemos antes de morrer. Estariam os preconceituosos racistas mortos? Infelizmente, não.

Esta manifestação em vídeo, sem música de fundo, de Seu Jorge, passa a limpo por meio de um discurso coeso e certeiro o que nos causa uma das maiores vergonhas alheias: a de querer calar sem nenhuma razão e de maneira arbitrária, violenta, injusta, deselegante e desumana, quem tem muito a dizer e jamais deveria ser silenciado.

Ainda bem que Seu Jorge falou e disse!

Assista o vídeo em

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