Na Corrida

Pé na estrada, mesmo quando não há estrada

Na Corrida - Rodrigo Flores
Rodrigo Flores
Descrição de chapéu atletismo

Em feito inédito no país, engenheiro completa 365 maratonas seguidas em um ano

Atleta amador, Hugo Farias corre 42 km todos os dias nas ruas do interior de SP

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Rodrigo Flores
São Paulo (SP)

Agora falta pouco. No próximo dia 27 de agosto, um domingo, o engenheiro Hugo Farias vai completar sua 365ª maratona consecutiva. Ele será o primeiro brasileiro a correr 42 km todo santo dia, sem falhar, durante um ano.

Conversei com o Hugo quando o projeto ainda estava nas primeiras semanas, e retomei o papo a poucos dias da sua conclusão. Cinco quilos mais magro, visivelmente mais forte e com o rosto bastante queimado pelo sol, Hugo fala com tranquilidade sobre a sua jornada.

Ele considera o projeto um sucesso, mas faz ressalvas. Sem ressentimento, mas um pouco decepcionado, conta que não conseguiu atrair os patrocínios e apoios que esperava. "Ano de eleições e Copa do Mundo é mais complicado para obter verbas de patrocínio", explica. Ele conta que, com exceção de apoios esporádicos, passou os últimos 12 meses com recursos próprios.

Vida que segue, um dia depois do outro.

Hugo já planejou os seus próximos passos. E eles não serão percorrendo distâncias olímpicas calçando um par de tênis. "Quero escrever um livro e fazer palestras contando um pouco do meu aprendizado durante esse ano". O desejo de transformar o estilo de vida em uma forma de sustento segue firme, mas não é inegociável. "Se precisar, volto para o mundo corporativo, não tem problema".

Hugo lembra com carinho dos momentos mais difíceis da jornada, quando teve problemas físicos e precisou andar, em vez de correr. "Nas redes sociais, não falei sobre isso, não reclamei, e segui cumprindo minha meta de percorrer uma maratona". Ele não falou, mas os moradores de Americana (SP) que acompanham diariamente sua jornada perceberam, e daí veio uma onda de solidariedade. "As pessoas me viam andando e passaram a caminhar comigo. Era um exercício acessível para muitas delas, mais do que a corrida. Foi o período mais difícil, mas também o que tive mais apoio".

Sem dar detalhes, Hugo também admite que o projeto abalou a rotina familiar. "Minha mulher sempre me apoiou, mas tinha receio sobre as incertezas do projeto". Por isso, ele já tem planos para quando não precisar correr uma maratona diária. "Minha esposa e eu já estamos com viagem marcada. Vamos ficar só nós dois, sem as crianças, por uma semana. Merecemos esse descanso".

Abaixo, veja os principais pontos da entrevista com Hugo Farias.

Corredor com blusa azul e óculos escuros é seguido por ciclistas
Hugo Farias, morador de Americana (SP), completa 365 maratonas ininterruptas - Divulgação

Você entrou engenheiro, fez um sabático para buscar um propósito. Quem é o Hugo que sai desse projeto?Eu entrei como um sonhador, depois de 22 anos trabalhando no segmento privado, resolvi fazer algo de impacto para inspirar outras pessoas. Me joguei nesse projeto. Você nunca sabe o que vai acontecer. Montei uma equipe multidisciplinar e mergulhei de cabeça. Saio mais fortalecido, física e mentalmente. Mostrei que pessoas comuns podem fazer coisas incríveis. É um projeto que vai além da corrida, fala de determinação, perseverança. Acho que consegui passar muitas mensagens através da minha corrida.

Agora quero escrever um livro para contar detalhes sobre essa jornada. Pretendo fazer palestras, falar sobre a experiência.

E que balanço você faz?
Estou muito feliz com o resultado. Sair do zero e de repente me lançar ao desconhecido e através do projeto conseguir atenção da imprensa, conseguindo inspirar pessoas.

Eu tinha expectativa de conseguir patrocínios e só consegui um, com valor simbólico. Consegui apoio de empresas locais, e alguma ajuda maior para a maratona final.

Esperava ganhar mais, mas com o tempo percebi que o mercado não funcionava desse jeito. Eu tinha recursos para ir até o fim com o que tinha reservado para o projeto. E se eu precisar retornar para o mercado de trabalho, eu retorno. Paciência. De qualquer forma, para as próximas, pretendo ter mais tempo para estruturar os projetos e os patrocínios.

Qual foi o momento mais difícil dessa jornada?
A lesão na virilha depois de 150 maratonas. Eu estava na praia, de férias com a família, e fui correr na areia, com ondulações e irregularidades naturais para esse tipo de piso. Nove maratonas depois a dor chegou para valer, tive que caminhar, sentia dificuldade até para andar. Acionei a equipe médica. A recomendação era parar, mas eu não podia me dar a esse luxo. Caminhei por 5 dias consecutivos. Passei a fazer a maratona em 8, 9, 10 horas. Levei um mês para voltar a correr 100%.

E como ficou a relação com sua família durante o projeto?
Sem dúvida, o mais difícil é o dia a dia com a família. Havia muitas dúvidas. Minha esposa, meus pais e meus sogros. Incerteza em relação a patrocínio. Só que, se eu adiasse, talvez eu nunca fizesse. No início, minha esposa tinha uma resistência, principalmente financeira. Mostrei que tinha os recursos e que daria para tocar o projeto. Eu sempre apoiei as decisões da vida dela, e agora eu precisava do apoio dela.

E depois do desafio? Chega de corridas?
Eu não me vejo parando de correr. Devo reduzir o volume para algo como 70 km por semana. Logo depois pretendo descansar, tirar umas férias merecidas. Tenho uma viagem marcada com a minha esposa, só eu e ela. E daí vou ter tempo para escrever meu livro e pensar nos próximos passos.

Tem algum momento que você se lembre com carinho durante essas 365 maratonas?
Na hora da lesão, quando eu caminhava, apareceram muitas pessoas para andar ao meu lado. A caminhada é mais acessível que a corrida, e isso motivou pessoas novas a me acompanhar. Nunca tive tantas companhias. Foi especial.

O que você aprendeu nessa jornada e pode ensinar para quem pretende correr uma maratona?
Acredite no processo, naquilo que o treinador pede. Tenha disciplina na execução. Respeita o processo porque ele é importante para você chegar bem condicionado.

Cuide da alimentação. Esse é o combustível do seu corpo. Quanto melhor a qualidade do alimento, mais longe você vai. Recomendo para quem puder, tenha um nutricionista.

Beba muita água. Antes, durante e depois. Quem não bebe água, quebra. A água ajuda inclusive na hidratação.

Sono também é treino. Durma bem.

Fortalecimento é fundamental, tanto de membros inferiores quanto superiores.

No dia da prova, divida a maratona em pequenas distâncias. Geralmente fatio em 4 pedaços de 10 km. Assim você comemora as pequenas vitórias durante o percurso.

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