O Mundo É uma Bola

O Mundo É uma Bola - Luís Curro
Luís Curro
Descrição de chapéu Futebol Internacional

O diferente trato à homofobia no futebol, no Brasil e na França

Ofensas em clássico paulistano são tratadas com frouxidão; no país europeu, atletas que recusam campanha não jogam

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No Campeonato Brasileiro, aconteceu neste domingo (14) a paralisação no segundo tempo, por alguns minutos, do clássico paulista Corinthians x São Paulo, no estádio de Itaquera.

Lotado por corintianos no Dia das Mães (muitas delas estiveram presentes na arena alvinegra), o estádio foi palco de verso homofóbico entoado pelos corintianos, contendo o termo "bichas", direcionado de forma geral aos são-paulinos, com o intuito de questionar a masculinidade.

O árbitro Bruno Arleu, tomando conhecimento do coro, interrompeu o confronto, indo até a lateral do campo, onde estavam os treinadores (Vanderlei Luxemburgo e Dorival Júnior) e o quarto árbitro. Os capitães das equipes (Cássio, do Corinthians, e Rafinha, do São Paulo) também ficaram cientes do fato.

No placar do estádio, mensagem informava que não eram permitidos cânticos discriminatórios, racistas, homofóbicos ou xenófobos.

Time do São Paulo, a quem foram direcionadas ofensas homofóbicas na partida em Itaquera contra o Corinthians, posa para foto antes de partida do Campeonato Brasileiro
Time do São Paulo, a quem foram direcionadas ofensas homofóbicas na partida em Itaquera contra o Corinthians, posa para foto antes de partida do Campeonato Brasileiro - Carla Carniel - 14.mai.2023/Reuters

Se fosse em outros tempos, frases assim não causariam problema algum. Fazia parte do jogo, e ninguém reclamava.

No quarto final do século passado, era comum no estádio a torcida de um time ofender constantemente jogador(es) e/ou treinador do outro, e/ou o árbitro (e os auxiliares) da partida, com o grito "Fulano, veado, fulano veado!".

Eu, ainda garoto, considerava coisa normal. E tinha certeza de que os torcedores que verbalizavam a ofensa o faziam menos por considerar que o alvo era gay e mais para tentar irritar, tirar a concentração dele, desnorteá-lo. Ataque psicológico inoperante, que não costumava funcionar.

Só que o comportamento não era digno de aprovação, nenhuma ofensa ou xingamento é, e como evoluímos como sociedade e começamos a perceber e a condenar esse tipo de atitude, atualmente elas não passam despercebidas e são amplamente criticadas.

A Europa é um dos continentes que mais têm estado atento aos preconceitos e agressões às minorias.

Em relação à homofobia, na rodada do fim de semana equipes da primeira e da segunda divisão da França levaram a campo seus jogadores com o número nas costas da camisa pintado com as cores do arco-íris.

O arco-íris é símbolo da causa LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e demais orientações sexuais e identidades de gênero).

Seis jogadores do Olympique de Marselha, com números nas cores do arco-íris nas costas da camisa, comemoram gol contra o Angers na primeira divisão da França; dois deles se abraçam
Jogadores do Olympique de Marselha, com números nas cores do arco-íris nas costas da camisa, comemoram gol contra o Angers na primeira divisão da França - Nicolas Tucat - 14.mai.2023/AFP

Teve atleta, entretanto, que não concordou em participar da campanha, simples, criativa e que deveria ser imitada em outros lugares, aqui inclusive.

Foram os casos, conforme noticiou a agência de notícias AFP, do atacante marroquino Zakaria Aboukhlal, do Toulouse, do atacante egípcio Mostafa Mohamed, do Nantes, e do zagueiro senegalês Donatien Gomis, do Guingamp.

Com a recusa, Aboukhlal e Mohamed, que vinham sendo titulares, foram afastados do jogo –Toulouse e Nantes fizeram um confronto direto na divisão principal, que terminou 0 a 0– pela direção de seus respectivos clubes. Gomis se autoexcluiu do duelo com o Sochaux, no campeonato de acesso.

Ao não relacionar para a partida jogadores que não concordam com uma iniciativa de inclusão e respeito, as equipes acertam. Dão exemplo. Mostram à sociedade que não há mais espaço para discriminação. Que outros tempos, indignos e permissivos, eram outros tempos.

As camisas utilizadas pelos jogadores das duas divisões francesas serão fornecidas para leilão, e os fundos arrecadados irão para entidades que lutam pelos direitos dos LGBTs.

Messi e Mbappé, com o número 7 na camisa nas cores do arco-íris, se abraçam após gol do Paris Saint-Germain; os craques participaram de inciativa contra a homofobia realizada na rodada do fim de semana na França
Messi e Mbappé (7), do Paris Saint-Germain, participaram da inciativa contra a homofobia realizada na rodada do fim de semana na França - Christian Hartmann - 13.mai.2023/Reuters

Voltando ao ocorrido em Corinthians x São Paulo, a partida foi reiniciada depois do recado no placar eletrônico, não se sabendo de incidente posterior similar, e terminou 1 a 1.

Resta saber se as autoridades do futebol nacional tomarão alguma medida disciplinar contra o Corinthians (multa, perda de mando de jogos, perda de pontos), mostrando que estão de fato preocupadas com a homofobia que parte da torcida, ou se ficará por isso mesmo.

Sou pragmático e considero improvável qualquer punição.

No Brasil, a percepção é a de que se colocam no papel várias normas apenas para que constem, para que se pense que algo bom está sendo feito.

Na prática, quando elas devem ser aplicadas, fecham-se os olhos e a vida segue, com as repugnâncias e ascos não sendo tolerados somente na teoria.

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