Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

Como Paulo Maluf manteve contas espraiadas em paraísos fiscais

Bastidores do repatriamento de R$ 82 milhões disputados pela AGU e MP paulista

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São Paulo

A Advocacia-Geral da União e o Ministério Público de São Paulo disputam quem ficará com R$ 82 milhões que estavam bloqueados nas contas de Paulo Maluf na Suíça.

A nova controvérsia envolvendo o ex-prefeito de São Paulo enterra o velho bordão "Paulo Maluf não tem nem nunca teve conta no exterior".

O promotor Silvio Marques, que investigou Maluf durante anos, entende que o dinheiro deve ficar com o município, "vítima dos atos de improbidade" praticados pelo ex-prefeito, revela o Painel.

A AGU alega que a ação penal pela qual Maluf foi condenado pelo STF determina que os valores serão destinados à União. Maluf (92) cumpre prisão domiciliar.

O blog reuniu alguns fatos da trajetória do político capaz de sair de um interrogatório policial com o polegar para cima ou fazendo um "V" de vitória.

"A minha vida é um livro aberto. Eu sou um homem correto. Sou o único brasileiro que entrou multibilionário na política", afirmou em entrevista à Folha em 2003.

Ex-prefeito Paulo Maluf, na Câmara dos Deputados. No destaque, promotor Robert Morgenthau concede entrevista em Nova York, em 2007 - Foto: Pedro Ladeira/Folhapress e Reuters

No Carnaval de 2007, Maluf estava em Campos de Jordão (SP) quando Sílvio Marques viajou aos Estados Unidos. Na quarta-feira de cinzas, testemunhas prestariam depoimento contra o ex-prefeito, em Nova York. Seus nomes foram mantidos em sigilo para evitar represálias.

O advogado de Maluf disse que desconhecia a audiência.

Robert Morgenthau (1919-2019), chefe da promotoria distrital de Nova York, aprofundara as investigações sobre as suspeitas de desvios de dinheiro público, remessas ilegais e movimentação bancária de Maluf e de familiares no exterior.

Em 2005, uma comitiva dos MPs municipal, estadual e federal viajou à Ilha de Jersey [paraíso fiscal no Canal da Mancha]. Sílvio Marques, Rodrigo de Grandis, Celso Augusto Coccaro Filho e Luiz Antonio Marrey obtiveram a decisão de entrega de documentos que baseariam ações penais e de improbidade.

O defensor de Maluf tentou saber de Marrey o objetivo da viagem. Então secretário dos Negócios Jurídicos de São Paulo, Marrey respondeu que o cliente não precisava se preocupar pois dissera que não tinha conta no exterior. O advogado ficou bravo, derrubou um copo de água. A audiência, com testemunhas, foi encerrada.

Em 2002, Sílvio Marques e os procuradores da República Pedro Barbosa Pereira Neto e Denise Abade foram à Suíça para tentar acelerar a liberação dos documentos bancários em nome da família do ex-prefeito.

Siga o dinheiro

Em março de 2007, um mês depois da audiência em Nova York, a Justiça dos EUA abriu processo criminal contra o ex-prefeito por "roubo" (nesses termos).

A peça de acusação é assinada Morgenthau e pelos promotores assistentes Adam Kaufmann e Matthew Rosen. A ação trata do desvio de recursos da construção da Avenida Água Espraiada.

Além de Maluf, foram citados como réus seu filho Flávio, Simeão Damasceno de Oliveira, advogado e ex-diretor financeiro da empreiteira Mendes Júnior, Joel Guedes Fernandes, ex-caixa da construtora, e o doleiro Vivaldo Alves.

Morgenthau disse que o dinheiro rastreado em Nova York foi usado para financiar a campanha de Maluf a sua sucessão à prefeitura em 1996 e ao governo do Estado em 1998.

Maluf foi acusado de receber propinas na conta Chanani, aberta pelo doleiro no Banco Safra, em Nova York.

O interesse pessoal de Maluf foi comprovado nos registros do Banco Safra. Consta na decisão final do julgamento em Jersey (item 61) que Maluf adquiriu dois cronógrafos de ouro em leilão na Sotheby's com recursos da Chanani.

Vivaldo confirmaria depois ter ganho um relógio suíço pela eficiência na gestão daquela conta.

A procuradoria americana revelou que, dos EUA, o dinheiro era remetido para contas secretas de Maluf na ilha de Jersey e retornaria para o Brasil sob a forma de falso investimento para a Eucatex, empresa da família Maluf.

Em comentário no blog, o então juiz federal Sergio Moro afirmou:

"Reputei genial a ideia da Promotoria de Manhattan de processar o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, por lavagem de dinheiro com base no entendimento de que, se o dinheiro passou oculto e dissimulado por bancos em Nova York, houve lavagem naquele país, conferindo jurisdição às Cortes norte-americanas".

Em 2008, já aposentado, Morgenthau citou o caso em artigo na revista "The American Interest".

Em 2009, os promotores Sílvio Marques e Saad Mazloum ajuizaram ação civil pública contra Maluf. Pediram o congelamento de bens no Brasil e na Ilha de Jersey e o repatriamento de US$ 166 milhões.

Falhas processuais

Maluf foi condenado em 2017 pela Primeira Turma do STF por lavagem de dinheiro. À época do julgamento, o político alegou falhas processuais.

Na ocasião, o procurador da República Celso Tres escreveu:

"Por décadas, Paulo Maluf foi ‘garrincha’ na habilidade de driblar a justiça. Teve ordem de prisão e dinheiro de sua corrupção restituído por outros países. Agora, a justiça que driblou. Para evitar a inequívoca prescrição, o STF disse que a lavagem de dinheiro, modalidade ocultação, é crime permanente até chegar ao conhecimento da autoridade."

(...)

"Era preciso pegar Maluf, custe o que custar e, diria o caipira, ‘haja o que hajar’".

O ministro Edson Fachin, do STF, determinou que Maluf começaria a cumprir pena de prisão em regime fechado. Deveria "se afastar da administração de empresas, seja em cargo de direção, integrante de conselho de administração ou de gerência, pelo dobro do tempo da pena de prisão, ou seja, mais de 15 anos".

A restrição foi semelhante à aplicada ao ex-prefeito em 1989, quando seu irmão, Roberto Maluf, impôs limitações, impedindo-o de gerir a Eucatex. Um acordo de acionistas, registrado em Bolsa, estabeleceu que Paulo Maluf não poderia presidir nem indicar o administrador da companhia nos vinte anos seguintes.

Escrevi o seguinte comentário:

O mundo dos negócios entendeu esse pacto como uma disputa familiar pelo controle da empresa. O mundo político não viu no acordo uma advertência: se parte da família entendia que Maluf não era o mais indicado para gerir os negócios do próprio clã, como imaginar que ele seria um bom administrador da coisa pública?

Sobrevivência política

O veto familiar para gerir a empresa não impediu que, em 1993, Maluf fosse eleito prefeito de São Paulo, com a imagem de empreendedor.

Pouco antes de deixar o cargo, no fim de 1996, conseguira assumir o controle da Eucatex, ao trocar ações por imóveis, e colocar seu filho Flávio na presidência da empresa (Maluf viria a ocupar uma sala na Eucatex, em 1997, quando era um dos alvos da CPI dos Precatórios).

Atribuiu-se a sobrevivência política de Maluf à maquiagem emprestada pelo publicitário Duda Mendonça, associando-o ao amor pela cidade de São Paulo.

O ex-prefeito tinha a capacidade de apresentar-se como vencedor, mesmo diante de grandes reveses.

Em 2003, quando a empresa recorreu à concordata, o comunicado oficial afirmava: "A Eucatex é e sempre será uma empresa vencedora".

Em abril de 2023, a Prefeitura de São Paulo recebeu um depósito de mais de R$ 150 milhões do Banco BTG Pactual e Eucatex. O valor é referente a parte do acordo firmado com o Ministério Público de São Paulo e a Procuradoria-Geral do Município, para recuperar US$ 60 milhões desviados durante a gestão de Maluf (1993-1996), homologada pela Justiça.

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