Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Raça e gênero ou classe não explicam, sozinhos, o desempenho dos estudantes

A interseccionalidade é essencial para enxergarmos as reais vulnerabilidades que afligem os estudantes e agir em cima disso

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Lara Vilela

É mestre em educação pela Universidade de Stanford e graduada em economia pela Universidade de São Paulo; em sua atuação profissional, acumula experiências na área de educação no setor público, privado e terceiro setor

Em 1960, Clarice Lispector e Carolina Maria de Jesus —escritoras que já tinham então seus livros publicados pela mesma editora— posaram para uma foto histórica. Décadas depois, Benjamin Moser, biógrafo de Clarice, usou o retrato e descreveu Carolina como "negra que escreve" e que parecia a "empregada doméstica de Clarice". Não se pode olhar para essa situação apenas sob o espectro de raça: cabe também reconhecer outros identificadores sociais, como gênero e classe social das duas, para entender essa diferença de tratamento.

Chamamos de interseccionalidade o conceito segundo o qual a interação entre dois ou mais fatores sociais define uma pessoa. O termo, cunhado pela norte-americana Kimberlé Crenshaw em 1989, demonstra que a intersecção entre diferentes identidades sociais faz com que a discriminação assuma características singulares.

Lara Vilela acumula experiências na área de educação no setor público, privado e terceiro setor - Divulgação

Não é diferente quando olhamos para a educação brasileira: há nuances que precisamos entender ao estudarmos o desempenho escolar dos estudantes. Afinal, eles não são apenas sua raça, cor, gênero, classe social ou região de origem, mas uma combinação de todas essas identidades e mais. Reconhecer que os nossos estudantes têm identidades complexas, que podem torná-los vulneráveis a várias formas de preconceito, nos permite analisar com mais precisão quais alunos estão mais vulneráveis e precisam de um olhar focalizado de políticas públicas.

Está bem estabelecido na literatura que os resultados dos estudantes de escolas públicas variam de acordo com cada um dos fatores mencionados, mas os estudos brasileiros geralmente desconsideram o impacto interseccional. Em minha tese de mestrado, defendida em 2022 na Universidade Stanford, questionei como o desempenho acadêmico desse grupo no Brasil varia, concomitantemente, por raça, gênero e classe social e região de origem.

Constatei que as cinco macrorregiões brasileiras apresentam um padrão de resultados semelhante para os testes de português e matemática do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação básica). Enquanto na prova de português os meninos pretos têm o menor desempenho, as meninas brancas têm o melhor para todas as classes sociais. Já para a prova de matemática, as meninas pretas têm pior desempenho, e os meninos brancos, o melhor. Assim, em todo o Brasil, ser preto e pobre influencia no desempenho acadêmico, no caso da medida ser gênero, o desempenho varia de acordo com a prova.

Na comparação regional, há uma diferença essencial nas médias. Embora as regiões apresentem um padrão de resultados semelhante entre si, o desempenho dos estudantes das regiões mais pobres, como o Nordeste, é significativamente menor mesmo considerando a classe socioeconômica. Por exemplo, no mesmo teste de português de 2017, as meninas brancas do Sudeste de classe social mais baixa tiveram resultados semelhantes aos dos meninos pretos da classe social mais alta do Nordeste. O que nos leva a crer que a presença de maior desigualdade de renda reduz significativamente o desempenho dos alunos nas regiões mais pobres.

Assim, os dados analisados apontam que estudantes pretos do nível socioeconômico mais baixo e das regiões mais pobres (Norte e Nordeste) são mais penalizados em termos de resultados educacionais. A abordagem interseccional permite compreender, de forma mais exata, o papel que as estruturas sociais desempenham na reprodução de discriminações, e permite também desenhar estratégias focalizadas e eficientes para alavancar a potência de nossos estudantes.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça", da Folha, sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Lara Vilela foi "LadoAlado" de Josyara e Margareth Menezes.

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