Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França

Cultura, gênero e cuidado

O diferencial de gênero no mercado de trabalho pode ser explicado por questões culturais sobre o cuidado não remunerado

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Paula Carvalho Pereda

É professora associada do departamento de economia da Universidade de São Paulo; estuda avaliação de políticas públicas com foco em meio ambiente, saúde e gênero; coordena o grupo de pesquisa das EconomistAs e o podcast das EconomistAs; assessora o Brasil nas discussões de GHG na IMO desde 2018

Em nenhum país do mundo homens e mulheres desprendem a mesma quantidade de horas nos trabalhos relacionados ao cuidado não remunerado, como os afazeres domésticos e o cuidado com as crianças e idosos. Mais ainda, as mulheres dedicam três vezes mais tempo que os homens neste trabalho, em média.

O nascimento de uma criança geralmente aumenta a carga de afazeres das mulheres dentro de casa, acentuando a divisão desigual das tarefas de cuidado.

A desigualdade na divisão do trabalho do cuidado não remunerado é um dos fatores que explicam as disparidades de gênero no mercado de trabalho, tal como a menor participação das mulheres e o recebimento de salários menores em relação aos homens, mesmo quando possuem habilidades semelhantes para o mesmo cargo.

Paula Carvalho Pereda, professora associada do departamento de economia da USP - Divulgação

Mais recentemente, alguns estudos têm buscado entender as causas dessas desigualdades na divisão dos afazeres dentro de casa. Uma das explicações encontradas está relacionada às questões culturais sobre as responsabilidades atribuídas aos homens e às mulheres nesse trabalho de cuidado, definidas por "crenças e valores costumeiros, étnicos, religiosos e/ou sociais, que são transmitidos de geração em geração", de acordo com Luigi Guiso, Paola Sapienza e Luigi Zingales.

Evidências mostram que as questões culturais afetam a forma como homens e mulheres tomam decisões de estudar, trabalhar e formar uma família, por exemplo. Podemos entender esse efeito olhando para a diferença de decisões entre imigrantes provenientes de outras culturas que se mudaram para os Estados Unidos. Diversos trabalhos mostram uma forte relação entre a decisão das mulheres de ingressarem na força de trabalho e a correspondente taxa de participação feminina no país de origem.

Portanto, surge a pergunta se essas questões culturais afetam as preferências individuais de homens e mulheres, ou se representam apenas uma determinação social que afetam suas escolhas? Para elucidar melhor esse ponto, novamente examinamos estudos com imigrantes expostos a diferentes valores culturais.

A literatura demonstra que as diferenças nas decisões entre homens e mulheres podem desaparecer ao longo do tempo, após a exposição a culturas diferentes, sugerindo que as preferências individuais podem se alterar lentamente.

Outra evidência nesse sentido são os efeitos encontrados em intervenções simples para aumentar a participação de mulheres de áreas predominantemente masculinas —sejam elas ações afirmativas mais direcionadas a maior presença de modelos femininos, ou programas de mentorias e redes de apoio. Estas intervenções têm resultado em um incremento na participação feminina em tais áreas, novamente mostrando que as preferências individuais podem mudar frente a estímulos.

A complexidade do problema está diretamente relacionada à sua magnitude. Logo, políticas bem-sucedidas nessa área devem nascer de uma compreensão aprofundada de onde as diferenças nas normas de gênero vêm e dos processos complexos que nos trouxeram onde estamos hoje.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Paula Carvalho Pereda foi "Sisters Are Doin' It For Themselves", de Eurythmics e Aretha Franklin.

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