Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
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Professores negros e seu potencial de melhorar o aprendizado de estudantes negros

O compartilhamento de características como raça entre professores e seus alunos serve como facilitador do aprendizado e precisa ser mais explorado nas discussões sobre equidade racial na educação no Brasil

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Thamires Mirolli

É mestre em educação pela Universidade de Stanford e graduada em administração pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Em sua carreira profissional, acumula experiências com educação pública no terceiro setor e no setor de impacto

No Brasil, um país de enormes disparidades educacionais entre brancos e negros, um a cada três professores de escolas públicas é negro. Assim como metade de seus alunos, esses professores também são expostos ao racismo e discriminação e têm suas vidas, sua saúde mental e suas carreiras drasticamente afetadas por isso.

Ainda assim, um estudo de Seth Gershenson e outros pesquisadores americanos publicado na American Economic Journal mostrou que alunos negros podem se beneficiar muito ao terem professores também negros. Segundo eles, ter ao menos um professor negro no jardim de infância pode aumentar em 19% as chances dos alunos negros irem para a faculdade, além de ter efeitos positivos sobre o seu aprendizado. Não há efeitos em alunos brancos.

Mulher branca sorridente tem cabelos escuros jogados a frente do ombro direito
Thamires Mirolli é mestre em educação pela Universidade de Stanford e graduada em administração pela Unicamp - Arquivo pessoal

Dentre os fatores levantados para os resultados, estão o compartilhamento de características como raça, gênero e nível socioeconômico entre professor e aluno, dado que um professor que pertence ao mesmo grupo social e racial que seus alunos teria mais chances de compreender as suas necessidades e lhes proporcionar práticas de aprendizado mais adaptadas, favorecidas também pela identificação do aluno para com ele.

Além disso, a presença de um professor negro na escola serviria como um modelo de referência a seguir, combatendo a comum descrença no sucesso da jornada acadêmica e profissional dos alunos negros. Outro fator relevante seria a maior apropriação e uso de práticas pedagógicas que valorizam as identidades étnico-raciais e empoderam os alunos negros. Professores negros seriam assim capazes de promover melhores experiências para eles dentro da escola.

Em minha tese de mestrado, defendida em 2023 na Universidade de Stanford, analisei os dados de 5° e 9° ano de 2007 a 2017 do Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), a avaliação nacional que mede o aprendizado de matemática e português dos alunos ao final do fundamental 1 e 2 a cada dois anos, e constatei que de fato existe uma relação positiva entre a maior presença de professores negros nas escolas públicas e ganhos no aprendizado de seus alunos negros, em especial quando consideramos alunas pretas pertencentes a grupos socioeconômicos mais baixos, havendo ainda uma correlação com a diminuição da disparidade racial no aprendizado.

Isso pode indicar que o compartilhamento de características como raça, gênero e classe social entre professores e seus alunos serve como facilitador do aprendizado e precisa ser mais explorado nas discussões sobre equidade racial na educação no Brasil. Assim como traz luz para o potencial transformador dos professores negros - apesar de toda discriminação que enfrentam para chegar onde estão _e a necessidade de entender mais sobre no nosso contexto.

Contudo, é importante evitar colocar o peso da melhoria dos resultados dos alunos negros apenas nos seus professores negros. É sabido que práticas racistas estão presentes na escola e no comportamento de muitos professores, e que a jornada do professor negro nas escolas é muitas vezes solitária e desprovida de apoio. Além disso, há poucos estudos e políticas que deem um maior enfoque para esses professores, atentando para as especificidades das condições que enfrentam e que o apoiem na produção de melhores experiências para seus alunos.

O corpo docente ainda é tratado como um único bloco enfrentador das dificuldades de ser professor no Brasil, e dessa forma negligenciamos uma porção que vai continuar a ser mais penalizada pela sua cor, classe, etnia e que ignorá-los pode representar uma barreira aos avanços em equidade na educação.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha de S.Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Thamires Mirolli foi "Coragem", interpretada por Elza Soares.

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