Quadro-negro

Uma lousa para se conhecer e discutir o que pensa e faz a gente preta brasileira

Quadro-negro - Dodô Azevedo
Dodô Azevedo

Em 2022, lacração e cultura do cancelamento foram as heroínas de nossa sociedade

O que tentam desabonar, é o que na verdade nos civilizou

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

BRASILIA , DF , 22.12.2022 , BRASIL , O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e o futuro ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, durante anúncio de novos ministros que comporão o governo.Credito Marcelo Camargo/Agência Brasil - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Dois milhões de pessoas, vindas de fora de Brasília, são esperadas na cidade para a posse do presidente Lula, no dia primeiro de janeiro.

Vale tudo para chegar lá: caravanas organizadas, caronas em carros de desconhecidos.

Vale tudo para dormir lá: com a lotação de hotéis e apartamentos para alugar, aceita-se dormir no sofá de quem tiver o gesto de grandeza de ceder um pedacinho de chão para o outro entrar.

Vale acampar na chuva.

Vale dormir dentro do próprio ônibus.

Nos grupos de Whatsapp e Telegram, as pessoas oferecem quartos, vagas em carro, trocam informações como proceder na cidade, como circular em grupos, posto que a cidade estará apinhada de terroristas supremacistas.

Defensores de um projeto supremacista terrível porque não raciocinado. Muito se parecem com animais decidindo o que fazer no dia seguinte. Não à toa, os apoiadores de Bolsonaro ganharam o apelido de "gado".

Agora, todas as estradas levam a Brasília.

Por dois motivos:.

1) Há uma comoção com a história de um sujeito que foi preso inimigos políticos (não jurídicos), em pouco tempo, como Conde de Monte Cristo, volta para ser Presidente da República mais uma vez.

2) Há a adesão de uma nova militância. Os identitários que os brancos liberais tanto temem. Do Rio de Janeiro, na manhã do dia 31, sairá caravanas de ônibus que se agrupam de acordo com suas identidades. Haverá o ônibus dos movimentos feministas, e em outro ônibus vai a turma do movimento negro, e em outro para o público LGBTQIA+

O que os defasados chamam de "turma da lacração" e "cultura do cancelamento", é só as minorias finalmente, após séculos, dizendo "Basta. Isso não vai ficar assim. Se vier, terá revide. Se assediar, será exposto." Dia primeiro, goste-se ou não, será um dia que agradaria muito o americano Joseph Cambpell, guru da narrativa do herói moderno. O que influenciou a criação de Guerra nas Estrelas, do bem absoluto, injustamente preso (como a princesa Lea no primeiro filme) contra o mal absoluto, que flerta com o nazismo, chama reivindicação de mimimi, e fala para um grupo de homens que já passaram dos 50, viram sua libido cair, e transferiram suas taras para os grupos de zap que o Bolsonarismo soube usar muito bem, a favor do o mal (Campbeliano)

O que chamam de lacração e cultura do cancelamento foi uma espécie de polícia que nos salvou do fascismo absoluto e sem freio que se avisava em 2018.

Lacração foi a revolta dos Malês. Lacração foi a revolução Haitiana. Lacração é quando você perde as estribeiras na fila de um banco. Lacração é quando uma mulher vai prestar queixa contra o marido que a espanca o tempo inteiro. Lacração foi quando a humanidade inventou a vacina contra COVID em tempo recorde. Lacraram os indígenas que pegaram em armas e resistiram ao genocídio dos colonizadores no século 17. Lacraram até os soldados americanos quando desembarcaram na Normandia para o dia D.

E pouco depois, com a chegada do exército vermelho em Berlim, Hitler foi definitivamente cancelado.

Ainda falta muita gente para cancelar neste mundo. E sempre faltará. O mundo deveria ser uma estrada sem bloqueios. Mas não é. Putin é um bloqueio na estrada da evolução do mundo. O racismo é um bloqueio na estrada da evolução do mundo.

Mas temos gente jovem e disposta a cancelar esses bloqueios de estrada.

Gente nova, disposta a manter a chamar a atenção de quem flertar com os "ismos" que congestionam o tecido social brasileiro. Racismo, fascismo..

Os ministros de Lula 3 são consequência dessa gente nova que percebeu-se melhor do que a antiga. Quando, aqui, na coluna, atentamos, anos atrás, que a entrevista do Silvio Almeida à TV Cultura (disponível do Youtube do canal) era um marco civilizatório na cultura brasileira maior do que toda a semanda de 22.

Silvio, ainda é o tipo de sujeito que sabe tudo de cultura pop. De quadrinhos à series. Uma pessoa capaz de discorrer sobre os uniformes do Wolverine ao longo dos tempos e ao mesmo tempo possuir um conhecimento teórico em algo preto que Portugal sempre quis apagasse dos livros de história.

Pois então. Saem os livros que ensinam que a Terra é plana e volta o entendimento de que a Terra é redonda.

Sai Marielle Franco, asassinada por um sujeito com ligações com o governo federal que sai, e entra, pouco tempo depois, Anielle Franco, sua irmã. Anielle agora tem o poder de, quem sabe, de cima para baixo, encontrar os mandantes da morte da irmã;

Sai o pouquíssimo erudito Sergio Camargo, e entra o presidente do Olodum.

E os jovens continuam vindo cada vez mais com todas as cores, todas as sexualidades.

Somos um país espiritual. Um país governado por um Deus distorcido pelos fiéis patriotas. Um Deus que raramente nos perdoa e que abençoa o porte de arma.

Mas temos fé na estrada

E estamos indo à Brasilia.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.