Quadro-negro

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Quadro-negro - Dodô Azevedo
Dodô Azevedo

Viva a Copa em dezembro

Copa aliviou o peso do mês mais pesado do ano mais pesado

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Estádio de futebol iluminado por luzes coloridas
A Copa do Mundo do Qatar aconteceu excepcionalmente em dezembro. - (Xinhua/Xu Zijian)

Quando 2021 terminou, todos, no mundo, respiramos fundo. Sabíamos que teríamos um ano terrível pela frente. Cada um por seus motivos. A ômnicron deixou o recado de que a COVID veio para ficar. A Europa já vivia a tensão entre Rússia e Ucrânia apontar para o pior. Os EUA se desencantavam com Joe Biden. E o ano seguinte ainda seria de La Niña, o fenômeno meteorológico que aumenta secas, intensifica chuvas, empodera ventos. No Brasil, fazíamos as contas. Carnaval + Festas Juninas + Eleições + Copa + Natal. 2022 seria um ano longo.

2022 está sendo um ano longo. Como em um bingo, fomos marcando os eventos pelos quais fomos passando. Pegar COVID pela segunda ou terceira vez foi normalizado. Agora precisávamos passar por outras doenças. Juntos.

Das doenças que enfrentamos juntos, o desprezo pela democracia chegou com tudo. Como uma pandemia em verde e amarelo.

Após as eleições, atos antidemocráticos foram, como pegar COVID novamente, normalizados. Parece que apenas a imprensa acha um absurdo pessoas na frente de quartéis pedindo por ditadura.

O ultranacionalismo antidemocrático é na COVID brasileira.

Como se tudo estivesse ocorrendo normalmente, como estivéssemos vacinados a empresários que pagam caminhoneiros para que fechem estradas, chegou a Copa do Mundo.

Esse evento onde finalmente pode-se, em tese, exercer o nacionalismo sem machucar ninguém.

Em tese.

O evento ocorreu em um país antidemocrático. Mas, para nós, tudo bem.

O evento ocorreu em um país anti-LGBTQIA+. Mas, para nós, tudo bem.

O evento ocorreu em um país que oprime mulheres. Mas, para nós, tudo bem.

O evento ocorreu com inúmeros casos de racismo contra os jogadores pretos franceses. Mas, para nós, tudo bem.

Como fomos capazes de nos divertimo-nos tanto nos últimos dias?

Porque, no fundo, todos sabemos que somos, aqui no Brasil, uma espécie de Qatar disfarçado.

Dezembro é um inferno.

Dezembro de um 2022, um inferno ainda maior.

Faz calor, o trânsito triplica, falta dinheiro para as compras de Natal, falta dinheiro para a ceia de Natal, somos obrigados a nos encontrar na ceia com parentes brigados que votaram no outro candidato para presidente.

Um inferno.

Por isso, nos agarramos à Copa do Qatar com todos os seus defeitos e monstruosidades e espelhos como fosse um presente de Natal.

Pela primeira vez, os espectadores e turistas europeus tiveram que ou ficar em casa, no frio, assistindo pela TV, ou arrumar um jeito com o patrão para conseguir uns dias de folga para ir ao Qatar pessoalmente torcer.

De férias, Marrocos brilhou. De férias, Argentina brilhou. De férias, até brasileiro torceu para a Argentina. E até quem dizia que não torcia para colonizadores torceu para a França.

Posto que sou o sheik desta coluna, voto para que todas as Copas do Mundo passem a ser em dezembro.Para nos permitirmos por uns dias sermos autoindulgentes neste mês terrível.

Para esquecermo-nos de nossas doenças.

Para passarmos por esse inferno. Juntos.

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