Quadro-negro

Uma lousa para se conhecer e discutir o que pensa e faz a gente preta brasileira

Quadro-negro - Dodô Azevedo
Dodô Azevedo

Um contragolpe sem dar um tiro

Hoje mais escolarizada, sociedade civil não permitiu acontecer outro 1964

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BRASILIA,DF - 20/1/2023 - Reunião do presidente Lula com os comandantes do exército, marinha e aeronáutica, no Palácio do Planalto. (Foto: Ricardo Stuckert/PR/Divulgação) - Divulgaçao

Aprendemos na escola que o golpe de 1964 (que deu início à ditadura militar) foi concluído 'sem a necessidade de se dar um tiro'.

Com mais de 70% da população de analfabetos e 95% de cristãos, o brasileiro era, na época, mais sensível à Fake News. A da época, a mentira espalhada pela direita, era a de sempre: haveria um plano para implementar o comunismo no país, e quem não concordasse estaria sendo doutrinado nas universidades e pela imprensa.

A tentativa de golpe de 8 de Janeiro de 2023 não deu certo, dirão os livros de História. Somos mais sábios hoje. Mais pessoas têm estudo do que em 1964. Mais pessoas sabem o que são as instituições e a importância delas.

Em 1964, a resistência, a defesa das instituições, comandada por Leonel Brizola, não encontrou eco suficiente. Hoje, o contragolpe foi dado pelas próprias instituições. Todos os setores da sociedade repudiaram o que foi feito. Desta vez, o contragolpe foi o próprio eco do golpe.

O contragolpe consumou-se sem a necessidade de um tiro.

Mas que tal um contragolpe nesta própria ideia? (A de que escapamos de mais uma ditadura militar).

Vamos lá. Se por tiros, entendermos projéteis, munição letal, tudo bem. Ninguém de nem levou tiros em Brasília.

Mas se por tiros entendermos impacto, tivemos, golpe atrás de golpe.

Durante a semana, a polêmica capa da Folha que estampou Lula em sua capa por trás de um vidro trincado de um tiro na altura de seu coração. Isso, no país onde um presidente já cometeu suicídio com arma de fogo para salvar o país de um Golpe militar. Muitos leitores reclamaram de... gatilho.

Se entendermos tiros por impacto, as fotos dos Yanomamis em Roraima nos dilaceraram o coração. Principalmente pelo que há de comum em genocídios: todos sabem que está acontecendo, grita-se, pede-se ajuda ao Estado, e nada é feito. As fotos das crianças Yanomamis e suas costelas aparentes nos causam...gatilho.

Se entendermos por impacto, as imagens do homem preto, com camisa de Bolsonaro, que foi filmado vandalizando o centenário relógio dado a Dom João VI, exposto no Palácio do Planalto desconcerta intelectuais negros. Entendemos que os mecanismos de alienação de pessoas pretas vêm desde a necessidade de capitães de mato. Mas a imagem, o tiro, não deixa de nos causar... gatilho.

Dom João VI, que em vida assinou tratados que permitia pessoas pretas escravizadas serem jogadas ao mar, e até o fim de sua vida temeu a revolta de brasileiros pretos e Bolsonaro, que representa tudo o que a Monarquia gostaria de ter sido, é hoje o herói dos monarquistas.

Entre eles, o homem preto, que precisa ser punido, mas na mesma medida de quem o incentivou.

Se prenderem todos os capitães do mato, chegaremos aos senhores de engenho.

Os capitães que, há décadas, fardados, entram em comunidades sem respeitar Estado de Direito algum.
Os capitães que colocam a vontade do Mercado acima da vida humana. Os capitães do garimpo ilegal. Os capitães da antipolítica. Os capitães que entendem que, se a audiência estiver boa, não importa o que estiver ruim. Os capitães dos cliques e likes.

É isso o que o se precisa, hoje.

É esse 'tiro' que falta.

Ir atrás dos capitães para chegar ao senhores.

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