Violência e sombra de militarização marcam México a um mês da eleição

López Obrador deixará cargo como governo que mais homicídios acumulou e com rastro de empoderamento das Forças Armadas

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Membros da Guarda Nacional em parte do turístico Trem Maia, uma das principais obras do governo de López Obrador e que foi entregue aos militares, em Cancun

Membros da Guarda Nacional em parte do turístico Trem Maia, uma das principais obras do governo de López Obrador e que foi entregue aos militares, em Cancun Paola Chiomante/Reuters

Cidade do México

Gaby Goros tem 25 anos e pela segunda vez tenta se eleger deputada federal pelo estado de Morelos, ao sul da Cidade do México. A política e, de certo modo, a violência fizeram-na amadurecer: a candidata acaba de ter um tio assassinado na campanha.

Não é algo incomum. Daqui a um mês, no dia 2 de junho, as maiores eleições da história do México, com mais de 20,7 mil cargos federais e locais em disputa, ocorrerão em meio a um cenário de violência que é generalizada. Mais de 25 candidatos já foram assassinados, e ao menos 300 estão sob proteção policial.

É um reflexo do que se tornou o país. Os últimos seis anos, período de governo de Andrés Manuel López Obrador —AMLO, como é conhecido—, foram os mais violentos da história do México. Mais de 182,1 mil homicídios foram registrados, segundo as cifras oficiais.

As cifras desaceleraram nos anos finais de seu mandato, mas ainda assim em patamares muito superiores ao do país em meados dos anos 2010. Em 2014, 20 mil homicídios foram contabilizados. Dez anos depois, em 2023, essa cifra foi elevada a ao menos 30,5 mil.

O populista de esquerda fez uma aposta dupla para o combate à criminalidade, diretamente associada ao narcotráfico. Sob o slogan "abrazos, no balazos" (abraços em vez de tiros), disse que atacaria as causas do crime, citando a baixa qualidade da educação.

Por outro lado, fez uma aproximação histórica com os militares e praticamente colocou nas mãos do Exército a Guarda Nacional, instituição que criou em 2019 para cuidar da segurança pública após desarticular a Polícia Federal, acusando-a de corrupção.

Com as eleições, uma das questões postas à mesa é se a estratégia adotada por AMLO surtiu efeito.

A despeito das críticas da oposição e dos altos índices de criminalidade, a percepção de insegurança dos mexicanos caiu mais de dez pontos percentuais neste governo, de 73% para 61%. Para especialistas, as razões para a queda não estão completamente claras, mas seguem ligadas a uma boa imagem dos militares.

A confiança no Exército (82,4%) e na Guarda Nacional (73,6%) é altíssima, muito acima do prestígio de que gozam as polícias locais.

Alguns analistas ponderam que os militares, com carreiras mais estruturadas e benefícios, são vistos como agentes públicos menos corruptíveis, visão distinta da que se tem das forças locais, com salário médio de 10 mil pesos (em torno de R$ 3.000).

"O crime organizado está muito associado aos municípios", diz Gaby Goros, de Jiutepec, com 215 mil habitantes. "Esses grupos financiam os policiais, que têm baixos salários, uniformes ruins."

O tio de Goros foi baleado perto de seu comitê. Homens armados atiraram nele uma vez, depois deram a volta no quarteirão e retornaram com mais disparos. Naquele momento, ele coordenava as chamadas bardas da campanha —as pinturas de muros com slogans.

A candidata do PAN (Partido de Ação Nacional), um dos mais antigos do país e um dos três integrantes da atual coalizão opositora, diz ver no assassinato do parente um recado contra as acusações que faz ao crime organizado. No dia seguinte ao crime, ela recebeu proteção da Guarda Nacional criada por AMLO.

Goros agora caminha, como o fez para conceder esta entrevista, cercada por cinco agentes. Muitos outros candidatos que também solicitaram proteção recebem uma pulseira que devem usar e acionar um botão ao sentirem que estão em perigo.

Alguns dispensaram o mecanismo, afirmando que carregar um localizador no braço apenas os faria alvos mais fáceis do crime organizado, que poderia obter sua geolocalização com a polícia.

"O crime organizado está tomando territórios", diz o professor e ex-deputado Cristián Castaño Contreras, especialista em segurança e ex-docente da Escola Militar de Inteligência. "O objetivo é controlar as obras públicas e os recursos para construção e licitação, que podem ser alocados para empresas ligadas ao narcotráfico."

Para Contreras, há também um problema de formação da sociedade mexicana. "A maioria dos jovens não está na universidade, e a frase dita por muitos é 'el que no transa no avanza', ou seja: o que não viola a lei não tem sucesso na vida."

Conter a criminalidade está no centro da plataforma das duas principais campanhas presidenciais, de forma inédita com mulheres à frente. Representado nas urnas pela ex-chefe de governo da Cidade do México Claudia Sheinbaum, o governismo quer militarizar de forma definitiva a Guarda Nacional.

AMLO tem no bolso um pacote de alterações na Constituição que almeja levar ao Congresso somente após as eleições, quando espera que seu partido ganhe ainda mais cadeiras e, assim, aprove mais facilmente as medidas —o mandato presidencial vai até 1º de outubro.

Uma delas transfere a GN para controle militar —embora majoritariamente composta por fardados, a instituição, pela lei, deve estar subordinada ao poder civil.

Já a oposição, representada por uma ampla coalizão e encabeçada pela ex-senadora Xóchitl Gálvez, afirma que manterá a Guarda, mas a desmilitarizará e dará mais apoio às polícias estaduais e municipais.

O atual presidente, que goza de ampla popularidade —mais de 60%, segundo algumas pesquisas—, empreendeu uma aproximação histórica com as Forças Armadas.

Além de ter muitos de seus assessores oriundos dessas fileiras, AMLO entregou a gestão da infraestrutura aeroportuária mexicana aos militares e colocou nas mãos do Exército a operação do Trem Maia, o mais polêmico e simbólico projeto de seu governo que atravessa a península de Yucatán, passando pela turística Cancún.

Enquanto isso, alguns importantes indicadores não avançaram nestes últimos seis anos. Segundo a organização Impunidade Zero, crimes como homicídio e sequestro, os mais comuns no México, ficam sem punição em mais de 95% dos casos.

Nos municípios, os relatos de pagamento de propina a policiais, o piso, como se diz no país, são frequentes. "Todos no nosso município sabem o que está acontecendo", diz Gaby Goros. "É como dizem: 'pueblo chico (povoado pequeno), infierno grande."

A jornalista viajou a convite da Fundação Konrad Adenauer (KAS)

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