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Borba Gato, o bandeirante injustiçado

Atear fogo no monumento foi ato de insuficiência cultural

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Escultura é obra do artista Júlio Guerra

Douglas Nascimento
São Paulo

O que figuras tão diferentes como o motoboy Paulo Galo e o talibã Mirza Hussain tem em comum? A resposta é simples: ambos promoveram atentados injustificáveis e criminosos contra obras históricas, cada um em seu país.

Se Hussain levou-se pelo fanatismo religioso para explodir o famoso Buda de Bamiyan, no Afeganistão, Galo se valeu do extremismo político, da falta de cultura e da irracionalidade que tomou o debate político nos últimos anos, para incendiar o monumento a Borba Gato, em Santo Amaro.

Há um ano ardia em chamas aquele que não só é um patrimônio histórico de São Paulo, como também uma obra de arte e símbolo de Santo Amaro, outrora município independente, onde o bandeirante agora chamuscado um dia viveu. O autor do ataque foi preso e depois solto por pressão de movimentos sociais que acham normal queimar uma obra de arte, mas são os mesmos políticos e movimentos sociais que ficaram horrorizados – como eu fiquei – quando o então candidato a deputado federal Daniel Silveira quebrou a placa em homenagem a finada vereadora Marielle Franco.

Crimes contra o patrimônio e à memória
Três ações deploráveis: Destruição do Buda afegão, ataque à placa de Marielle Franco e atentado ao Monumento de Borba Gato - Divulgação

É preciso ter apenas uma peso e uma medida quando o assunto é a violência e o desrespeito a personalidades, especialmente no caso de figuras que não estão mais entre nós para se defender. Também é necessário não ser simplista e ignorante ao esquecer as diferenças sociais e de costumes entre um homem que viveu no século 17 e nós no século 21.

AMIGO DOS ÍNDIOS E PROCURADO POR PORTUGAL

Borba Gato ao contrário do que muito se alardeia entre ativistas que não estudam história, não foi matador de índios ou estuprador. Isso é uma mentira bem contada, mas que cai por terra rapidamente se ao invés de usarmos a gasolina de Paulo Galo ou a verborragia de alguns manifestantes utilizarmos a melhor arma de todas: os livros.

Monumento de Bandeirante
Detalhe do Monumento a Borba Gato em Santo Amaro. Foto: Douglas Nascimento / São Paulo Antiga - São Paulo Antiga

São neles que você irá descobrir que o único delito grave que Borba Gato oficialmente cometeu em vida foi um crime de lesa-majestade, quando se desentendeu e assassinou um representante do rei de Portugal chamado Rodrigo de Castelo Branco, administrador de minas de ouro que queria de Borba Gato a localização das minas que ele descobrira, o que ele se recusou.

Após esse crime contra o representante real , Borba Gato refugiu-se na mata junto a uma tribo de indígenas mataxós por onde viveu entre 15 anos, período que varia para 18 dependendo do biógrafo. Por lá o bandeirante não só viveu em paz com aquela tribo, como era respeitado entre eles como se fosse um cacique nativo. Alguém realmente acredita que um homem branco iria explorar sozinho uma tribo inteira? Teria sido morto rapidinho por eles, disso não tenham dúvida.

Em outubro de 1698, com a troca de governador geral, Borba Gato recebe carta de perdão pelo crime que cometera e ainda foi nomeado para o mesmo cargo do homem que assassinou. Posteriormente participaria da Guerra dos Emboabas (1707 a 1709). Veio a falecer em 1718.

Ao contrário do que muitos pensam, Borba Gato não é nome mas sobrenome. Além dele existiram antes dele seis outros bandeirantes com o mesmo sobrenome.

MONUMENTO SEGUE SEM RESTAURO

Ilustração do Monumento de Borba Gato
Ilustração mostra Borba Gato saindo das chamas após o atentado. Arte: Von Victor / São Paulo Antiga

No dia seguinte ao atentado ao monumento o Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), garantiu em entrevista que a escultura não só seria restaurada como ele já tinha um contato com um empresário da região que se ofereceu em colaborar financeiramente com a recuperação da obra.

Contudo um ano depois do ataque o monumento segue do mesmo jeito e com os mesmos danos, tendo recebido apenas lavagem para remover a fuligem. Ao visitar o local constatei que os danos ainda estão todos lá para quem quiser ver. Causa estranheza uma prefeitura com tanto dinheiro em caixa como a paulistana desprezar tanto seus monumentos pela cidade, já que são vários os que estão em petição de miséria, alguns bem pior do que o ilustre e chamuscado bandeirante.

Monumento de Bandeirante
Detalhe da perna esquerda da escultura, danificada pelo incêndio. Foto: Douglas Nascimento / São Paulo Antiga

Abaixo o posicionamento da SECOM - Secretaria Especial de Comunicação da Prefeitura de São Paulo, sobre nossos questionamentos:

"Após a limpeza da estátua, foi verificado que, visualmente, a obra não apresenta danos estruturais. Houve o destacamento de parte do revestimento de pedra das pernas, da face frontal do bacamarte e das botas, bem como o rompimento pontual do concreto nas botas e na perna direita, na altura do joelho. Com o aquecimento do pedestal, parte da placa metálica com inscrições referentes à obra derreteu e desprendeu-se da superfície, mas foi recolhida.

Tendo em vista que não há a necessidade de uma ação de restauro emergencial, avalia-se uma possível adoção do monumento pelo programa "Adote uma Obra Artística", regulamentado pelo Decreto nº 57.667, de 19 de abril de 2017.Foram realizadas tratativas com um interessado e, no momento, a SMC aguarda possíveis propostas de adoção e projeto de restauração da referida obra."

Veja como está o monumento atualmente:

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