Dos bondes puxados por burros da extinta Companhia Paulista aos modernos ônibus biarticulados que circulam pela capital paulista, muitas ideias mirabolantes surgiram da cabeça dos prefeitos de São Paulo para melhorar o transporte coletivo. Talvez a mais maluca delas tenha sido a idealizada por Jânio Quadros em 1987.
Apaixonado por Londres, para onde gostava de viajar, Jânio já tinha trazido de lá uma ideia que marcou os coletivos durante a sua segunda passagem como prefeito de São Paulo entre 1986 e 1989: mudar a cor dos ônibus da CMTC para vermelho, abandonando o padrão de braco e dois tons de azul adotados na gestão de seu antecessor, Mário Covas.
Contudo não foi a mudança de cor a única ideia que ele trouxe. Algo mais marcante viria de Londres para fazer parte do cotidiano da nossa cidade: o ônibus double decker. A ideia do prefeito surge nesta Folha em 6 de maio de 1987 com o título ´Jânio quer coletivo de dois andares´. Tirar do papel foi mais rápido do que você pode imaginar: apenas 4 meses.
Apelidado por Jânio Quadros de ´Dose Dupla´ e de Fofão pela CMTC, o ônibus de dois andares paulistano não foi importado da Inglaterra mas produzido na vizinha Guarulhos pela empresa Thamco, já extinta. Com 4,26 metros de altura o veículo transportava até 114 passageiros, sendo que no andar superior as pessoas só podiam ir sentadas. Em 22 de setembro de 1987 a Folha apresentou um gráfico com os números da novidade:
Após alguns testes feitos com um protótipo que circulou pelas ruas da cidade com uma placa fantasia JQ-1987 (alusão a Jânio Quadros e ao ano de 1987) a Prefeitura de São Paulo finalmente agendou uma data para a estreia do ônibus nas linhas municipais: 21 de setembro de 1987.
Apesar da empolgação do prefeito, especialistas em transporte público criticaram a ideia de trazer o double decker londrino para a capital paulista por uma série de problemas, entre elas a altura do ônibus que era incompatível com diversas ruas e avenidas de São Paulo, o que obrigava a uma destreza adicional dos motoristas. Na viagem inaugural do protótipo a Folha esteve presente e conferiu de perto a dificuldade do veículo em sair da própria garagem, além andar ligeiramente inclinado e esbarrar em algumas pontes e na fiação aérea da cidade.
O jornal na época posicionou-se de forma contrária à novidade, publicando em editorial críticas ao novo ônibus da CMTC. Os problemas do Dose Dupla aliado a teimosia de Jânio em seguir com o projeto deixava claro que não se tratava em atender ao munícipe, mas satisfazer um desejo pessoal do então prefeito paulistano.
Após entrar em operação o Dose Dupla teve a circulação restrita a poucas linhas cujos trajetos eram mais adequados para receber um ônibus tão alto. E apesar do seu tamanho, ficar em pé no primeiro andar não era para pessoas altas, já que o piso superior tinha apenas 1,70 metro de altura.
FIM DA LINHA:
O Dose Dupla não ficou muitos anos em circulação em São Paulo. Além dos problemas citados aqui, ele atingia frequentemente os fios de energia dos trólebus. No início de 1993 foram retirados de circulação, sendo que alguns foram vendidos para outras cidades ou para particulares e outros ficaram anos guardados em uma garagem da CMTC no bairro do Pari.
Apesar de desajeitado o ônibus de dois andares produzido pela Thamco também circulou em outras cidades brasileiras como Osasco e Recife. Ao contrário daqui que circularam por curto tempo nos demais municípios foram sendo retirados de circulação à medida que as frotas foram sendo renovadas.
DAS RUAS PARA O MUSEU:
Se você não viveu aquela época e tem vontade de ver de perto o famoso double decker paulistano pode conferir a primeira unidade produzida diretamente no Museu dos Transportes Públicos Gaetano Ferolla, no bairro do Canindé. Lá além deste ônibus você confere outros que marcaram época em São Paulo, além de bondes, viaturas e diversos carros oficiais. Para obter o endereço e horário de funcionamento do museu basta clicar aqui.
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