Saúde em Público

Políticas de saúde no Brasil em debate

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É hora de frear a moda dos descolados cigarros eletrônicos

Investir em políticas bem-sucedidas é fundamental para combater o tabagismo

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Responsável pela morte de 8 milhões de pessoas anualmente em todo o mundo, o uso de tabaco ainda é uma realidade entre pelo menos 1 bilhão de indivíduos, de acordo com o último Tobacco Atlas.

Esses números alarmantes são fruto de décadas de estratégias pesadas da indústria do tabaco, pautadas em investimentos exorbitantes, lobby persistente e em campanhas publicitárias com forte apelo emocional e mensagens ligadas à aventura, sofisticação e liberdade.

No Brasil, felizmente, desde a criação da Lei 10.167 de dezembro de 2000, a publicidade de cigarro está proibida. A iniciativa fez parte de um conjunto de políticas públicas que vêm sendo bem-sucedidas em reduzir a prevalência do tabagismo. Apesar disso, quando falamos de uma indústria insistente como a do tabaco, a vigilância com relação ao tabagismo e a manutenção e o fortalecimento de políticas de combate ao fumo precisam ser constantes para evitar retrocessos.

As empresas produtoras de cigarro são um negócio antigo e seus clientes estão morrendo por causa de seu produto. Elas precisam, então, substituir esses consumidores, mas acabam enfrentando um problema: geralmente, pessoas com 21 anos ou mais não começam a usar produtos derivados do tabaco. Portanto, o principal público que essas companhias precisam atrair para manter seus negócios vivos são os jovens. E, aos seus olhos, quanto mais jovens, melhor.

Visando esse público, a indústria tem encontrado novas formas de disseminar as mesmas mensagens "descoladas" de antigamente. No lugar dos cigarros tradicionais, temos agora os cigarros eletrônicos e vaporizadores. Ao invés dos comerciais de TV, atualmente vemos as regras sendo dribladas por influenciadores digitais e celebridades que exibem o consumo de tabaco de maneira indiscriminada nas redes sociais.

De acordo com dados das duas edições da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2013 e 2019, o uso dos derivados de tabaco (como cigarros, cigarrilhas, cigarros de palha e outros) se faz presente entre os mais jovens. Entre aqueles com 18 a 29 anos, a prevalência de tabagismo era de 11,4% em 2013 e 11,1% em 2019.

Homem fumando cigarro eletrônico. Lidar com as inovações da indústria do tabaco é fundamental para combater o tabagismo.
Cigarros eletrônicos: indústria do tabaco investe em estratégias de rejuvenescimento do consumidor. (Foto: Fotofabrika/Adobe Stock ) - Fotofabrika/Adobe Stock

Quando falamos especificamente dos cigarros eletrônicos, o Covitel* (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia) trouxe dados inéditos, divulgados no último mês de abril. De acordo com a pesquisa, 0,6% dos jovens entre 18 e 24 anos fazem uso diário dos cigarros eletrônicos no Brasil. A prevalência sobe consideravelmente quando se trata de outras frequências de uso: 8,5% dos jovens relatam uso eventual, enquanto outros 10,6% já experimentaram alguma vez. Juntando todos esses números, 19,7% dos jovens já tiveram ao menos um contato na vida com os dispositivos, seja por experimentação, uso esporádico ou consumo diário.

Esses dados são ainda mais valiosos por estarmos vivendo no Brasil um momento importante com relação à política de controle de tabaco. Desde 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) proíbe importação, propaganda e comercialização de cigarros eletrônicos no país. Agora, em 2022, a agência está revisitando o tema, por meio da abertura de uma tomada pública de subsídios que vai reunir evidências técnicas e científicas sobre os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF).

Para evitarmos retrocessos, é fundamental advogar pela manutenção da proibição da divulgação e comercialização dos cigarros eletrônicos no país, além de defender - uma maior fiscalização para evitar que o comércio ilegal permita a chegada do produto nas mãos dos jovens brasileiros. O próprio Covitel mostrou, por exemplo, que a prevalência de consumo do cigarro eletrônico é maior nas regiões Centro-Oeste e Sul do Brasil, cujas fronteiras com o Paraguai são comprovadamente as portas de entrada para o contrabando dos cigarros tradicionais. Os dados podem trazer indícios de que a mesma dinâmica vem acontecendo com os dispositivos eletrônicos.

Focar nesse público jovem não é importante apenas para barrar os esforços da indústria na sua estratégia de rejuvenescimento do consumidor de tabaco. É também urgente zelar pela saúde dessa população, que acredita de forma equivocada que os cigarros eletrônicos não são nocivos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), estes dispositivos contém substâncias químicas que são comprovadamente cancerígenas. Seu uso aumenta ainda o risco de problemas cardiovasculares graves, como infarto e acidente vascular cerebral, entre outras patologias. Nos jovens, descobriu-se ainda que os cigarros eletrônicos causam dores de cabeça, dificuldade de concentração e ansiedade.

É preciso manter políticas bem-sucedidas e investir na ampliação de iniciativas de combate ao tabagismo, nas mais diversas frentes, acompanhando as inovações da indústria. Só assim para reverter um cenário devastador, em que vemos 443 mortes por dia causadas pelo tabagismo no Brasil, custando R$ 125 bilhões para o nosso sistema de saúde todos os anos, de acordo com dados de abril de 2022 do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Além de evitar grande sofrimento humano, esse custo poderia ser revertido em investimento para a prevenção e a promoção da saúde dos brasileiros e brasileiras.

*Realizado pela Vital Strategies e pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a partir de articulação e financiamento da UMANE, a iniciativa conta ainda com cofinanciamento do Instituto Ibirapitanga e apoio da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). O Covitel é um inquérito realizado em âmbito nacional, com 9 mil pessoas entrevistadas, representando as cinco grandes regiões do país: Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul.

Pedro Hallal é reitor da Universidade Federal de Pelotas e coordenador-geral da pesquisa de prevalência do coronavírus no Brasil. Luciana Sardinha é assessora técnica de saúde pública e epidemiologia da Vital Strategies. Fernando Wehrmeister é professor associado da faculdade de medicina da Universidade Federal de Pelotas. Pedro de Paula é Diretor-executivo da Vital Strategies Brasil. Thais Junqueira é Superintendente-geral da Umane.

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