Produção científica de pesquisadoras cai após maternidade, diz estudo

Entre as cientistas, 60% dizem que ter filhos gerou um impacto negativo na carreira acadêmica

Porto Alegre

A física Aline Pan, 37, terminou o doutorado aos 28 com um currículo invejável. Única mulher entre sete homens a ser enviada ao exterior com bolsa integral, num doutorado pleno em energia solar, ela integrou projetos de pesquisa da União Europeia. 

Voltou ao Brasil com uma pontuação alta o suficiente para garantir vaga como pesquisadora de um programa de pós-graduação em uma universidade privada gaúcha.

Mas, quando engravidou de Sofia, 6, o ritmo de produção desacelerou. Com problemas na gestação, teve de estender a licença-maternidade. O número de publicações caiu. 

Na segunda gravidez, outra vez de risco, precisou ficar mais tempo fora. Depois de três anos, com dois filhos pequenos, ela foi convidada a se retirar do programa.

"A minha nota já não era mais suficiente. Comecei a questionar se era realmente o que eu queria, se não deveria apostar em outra carreira", conta ela, que hoje é professora de graduação. Depois de perder o cargo, Aline começou a ter ataques de pânico e precisou de terapia. 

O caso dela não é o único no universo de pesquisadoras brasileiras, segundo pesquisa com mães cientistas realizado pelo Parent in Science (Com filhos na ciência, em tradução livre), grupo com sete pesquisadores gaúchos que analisa a relação entre a maternidade e a ciência. 

Enquanto uma pesquisadora sem filhos consegue manter a taxa de publicações por ano regular, para uma cientista que se torna mãe o número invariavelmente cai. Os dados foram apresentados no 1º Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência, realizado nos dias 10 e 11 de maio, em Porto Alegre, na PUCRS.

O evento também contou com palestras sobre a participação feminina na ciência e buscou uma aproximação com as agências de pesquisa para pensar soluções aos dilemas apontados.

O estudo ouviu 1.216 docentes (64 homens). Do total, 75% são mães. Entre elas, 54% dizem que são as únicas cuidadoras das crianças e 40% têm dois filhos. 

Quase metade (45%) afirma não ter tempo de trabalhar em casa, enquanto 21% só conseguem fazê-lo depois que os filhos estão dormindo. Quase 60% das entrevistadas avaliam que a maternidade teve impacto negativo em suas carreiras, e 56% dizem que não conseguem cumprir prazos.

A ideia da pesquisa surgiu da experiência pessoal da bióloga Fernanda Staniscuaski, 37, da UFRGS. Grávida do terceiro filho, ela viu a carreira mudar quando virou mãe. Com menos publicações, acabou afastada do cargo de professora permanente no programa de pós-graduação.

"Desde o primeiro filho, há uma queda da produção bem drástica que se estende por entre quatro e cinco anos, quando a mulher retoma a carreira", diz ela.

Os relatos colhidos no levantamento ajudam a ver pontos em comum. O ambiente hostil das universidades, instituições que não oferecem acolhimento, e a dificuldade de conciliar vida pessoal e profissional são alguns dos relatos feitos por mães cientistas.

Outro problema, aponta um estudo realizado pela Universidade de Barth, no Reino Unido, com 262 pesquisadores, incluindo mulheres com filhos pequenos, é que elas recebem menos investimento em suas linhas de pesquisa. Além disso, o número de citações de seus trabalhos em artigos cai, indicando perda de relevância.

De acordo com um trabalho da Universidade de Cornell publicado na revista American Scientist, o impacto é ainda mais intenso em áreas relacionadas às ciências exatas, como no caso de Aline.

Único homem do Parent in Science, o professor da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) Felipe Ricachenevsky, 35, se uniu à pesquisa quando viu a carreira da esposa Andréia, 36, parar depois do nascimento da filha Maya, 2.

"A gente não está cuidando para que esse momento seja o mais leve possível para quem decide ter filhos", diz ele. "Se a queda de produção acontece, como quem pesquisa pode retomar depois? Estamos perdendo pesquisadores."

O Instituto Serrapilheira, primeira instituição privada de fomento à ciência no país, foi o principal apoiador do evento. "Trata-se de uma causa tão óbvia, tão justa e de um debate tão necessário que não pensamos duas vezes antes de aceitar apoiar o evento", diz Hugo Aguilaniu, presidente da instituição.

Na visão dele, o Brasil ainda está bastante atrasado nesse tema. "Na Alemanha, por exemplo, há programas que apoiam especificamente as cientistas com filhos pequenos".

"A sensação que eu tenho é que, por aqui, há até resistência a introduzir medidas nesse sentido pois representariam mais custos, mas não se pensa nos custos da queda de produtividade de mulheres que têm filhos e que não recebem qualquer apoio para manter a atividade científica junto com a maternidade."

De acordo com o presidente do Serrapilheira, algumas medidas simples poderiam ser de grande valia para asmães cientistas. "O primeiro passo é reconhecer a maternidade como algo natural para uma pesquisadora, permitindo, por exemplo, que ela coloque no currículo acadêmico Lattes que ela engravidou ou tem filhos pequenos". 

Além disso, ele cita iniciativas como fornecer recursos para que a mãe da pesquisadora ou alguém de sua confiança a acompanhe em congressos e a criação de um espaço de creche nesses eventos.

Uma dos objetivos do congresso em Porto Alegre é levantar dados e propor mais iniciativas nessa seara. Segundo Aguilaniu, as conclusões serão usadas para definir novas políticas do instituto.

Colaborou Fernando Tadeu Moraes

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