Descrição de chapéu Coronavírus

Para Anthony Fauci, mundo conduziu mal pandemia, mas EUA se saíram pior

Evento que reuniu laureados do prêmio Nobel e autoridades globais em saúde e ciência discutiu pandemia e mudança climática

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São Paulo

Em um momento em que o mundo se aproxima da marca de 150 milhões de casos confirmados de Covid-19 e mais de 3,1 milhões de mortes em menos de um ano e meio de pandemia, pode-se dizer que a resposta global ao novo coronavírus teve falhas.

Mesmo com o advento das vacinas contra a doença que já matou 400 mil brasileiros, a vacinação tem se mantido em um ritmo acelerado somente em um punhado de países, que conseguiram reduzir drasticamente o número de internações e mortes. A a pandemia segue em crescimento em todo o mundo, puxada, principalmente, por países como a Índia –que bateu os recordes mundiais de casos registrados— e Brasil.

Para Anthony Fauci, o diretor do Instituto de Alergias e Doenças Infecciosas (Niaid) dos Estados Unidos e principal autoridade de saúde hoje no país, o mundo se saiu mal como um todo, mas os EUA se saíram muito pior.

O problema, segundo ele, foi a falta de uma ação coordenada, dada a própria característica federativa do país. “O inimigo em comum era o vírus, mas estávamos lutando entre nós mesmos, porque tinha um governador que dizia ‘acredito em tudo o que vocês disserem, vamos seguir as orientações [do CDC]’ e outro que passava uma mensagem à população de que não podiam ceder à imposição de medidas sanitárias”, disse Fauci.

O diretor do Instituto de Alergias e Doenças Infecciosas, Anthony Fauci - Eric Baradat - 12.dez.20/AFP

As mensagens confusas e os erros iniciais, principalmente de não centralização da testagem em massa no país, dificultaram ainda mais a condução adequada da pandemia. “Lutamos contra uma pandemia no momento mais dividido da história dos Estados Unidos. Eu nunca vivenciei isso nos meus 37 anos à frente da saúde pública.”

O principal conselheiro em saúde da Casa Branca falou no evento virtual Cúpula do Prêmio Nobel, que ocorreu de segunda (26) a quarta (28), organizado pela Fundação do Prêmio Nobel, pela Academia Nacional de Ciências norte-americana, pelo Instituto Potsdam para a Pesquisa do Impacto Climático e pelo Centro de Resiliência de Estocolmo/Instituto Beijer.

Além de Fauci, uma centena de autoridades em ciência e saúde globais, líderes mundiais, laureados do prêmio Nobel e artistas participaram do encontro, dividido em painéis de entrevistas nos dois primeiros dias e sessões de discussão científica, com propostas de soluções coletivas para a mudança climática e a perda da biodiversidade, a redução da desigualdade e a tecnologia usada para sustentabilidade nas sociedades no terceiro dia.

A pandemia da Covid se espalhou pelo mundo e por todo o território dos países, uma vez que os vírus não veem fronteiras, mas algumas regiões enfrentaram dificuldades especiais na contenção do Sars-CoV-2, como é o caso dos EUA e do Brasil, onde o vírus entrou, primeiro, pelas capitais e rapidamente se espalhou no interior do país.

“Para o vírus, não há diferença entre Mississippi e Indiana, entre Maine e Vermont. Nós agimos como se pudéssemos combater o coronavírus independentemente, mas isso não faz sentido porque ele se espalha por todos os lados”, afirmou Fauci.

Nesse sentido, enfrentar um presidente que negou a importância da pandemia, fez pouco das medidas preventivas e atacou diversas vezes a China por ter sido o epicentro do Sars-CoV-2, como o ex-presidente Donald Trump, foi um agravante.

Fauci afirma que é preciso sempre manter a integridade, mesmo que isso signifique falar “verdades inconvenientes”. “Como autoridades em saúde, é preciso se ater à ciência e falar o que é preciso ser dito. Não podemos aconselhar apenas aquilo que os governantes querem ouvir”, disse.

De forma parecida no Brasil, os embates entre os ex-ministros da saúde Henrique Mandetta e Nelson Teich e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quanto à estratégia correta de condução da Covid-19 no Brasil foram as causas para a saída do primeiro e demissão do segundo.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro se posicionou contra as medidas sanitárias, como uso de máscaras e isolamento social, mentiu sobre a eficácia dessas medidas e das vacinas, se colocou a favor do relaxamento de medidas restritivas de circulação das pessoas e ainda endossou o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes no combate ao vírus, como a hidroxicloroquina.

Em relação às vacinas, Bolsonaro mentiu ao dizer que a vacina pode transformar as pessoas em jacaré, causar morte, sequelas ou ainda que as farmacêuticas não se responsabilizam pelos efeitos e, por isso, as pessoas seriam cobaias dos estudos.

Fauci lembra, no entanto, que as vacinas contra a Covid-19 não surgiram do nada em 2020: elas foram resultado de décadas de pesquisa científica, e sua produção em tempo recorde só foi possível por um alto investimento em pesquisa e no seu desenvolvimento.

“A história por trás das vacinas contra a Covid-19 é de décadas de pesquisa biomédica, de dezenas de milhares de pessoas trabalhando dia e noite na estrutura imunogênica da proteína S do Sars-CoV-2 e como usá-la, como estabilizar essa proteína e como fazer com que ela leve a uma resposta imune. Isso não aconteceu em janeiro, isso vem acontecendo nos últimos 10, 15 anos.”

Uma das duas vencedoras do prêmio Nobel em Química de 2020, Jennifer Doudna (a outra laureada foi a francesa Emmanuelle Charpentier), também falou no evento sobre a técnica de edição genética Crispr e sua aplicação na pandemia.

A descoberta da técnica descrita pela primeira vez há oito anos ocorreu graças ao estudo do sistema imune de bactérias, o que Doudna considera um paralelo perfeito ao momento que estamos vivendo. “É interessante pensar que o Crispr é um sistema imune bacteriano cuja função é detectar vírus no organismo e guardar informações sobre eles. É quase como uma célula de memória. Então podemos usar a técnica para identificar o Sars-CoV-2 no organismo de maneira muito mais rápida e sem a necessidade de amplificação do material genético pelo método de RT-PCR”, disse.

Além disso, a pesquisadora explica que a técnica tem sido estudada também para uso em pesquisas do meio ambiente, como melhorar o sequestro de carbono por plantas de produção agrícola, diminuindo assim a quantidade de gás CO2 na atmosfera. “Estamos dando um passo além agora para usar o Crispr no combate à mudança climática”, afirmou.

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