Descrição de chapéu Entrevista da 2ª

'É um desastre quando cientistas não são ouvidos', diz física Angela Olinto

Brasileira eleita para a Academia Americana de Artes e Ciências é referência internacional na astrofísica de partículas

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São Paulo

A física Angela Olinto está dedicada a decifrar a energia que vem do espaço. Com o auxílio de experimentos que envolvem radiotelescópios e balões gigantescos, a cientista testa teorias sobre a astrofísica das partículas subatômicas —porções de energia que viajam pelo cosmos e podem ajudar a contar a história do universo.

Brasileira, Olinto nasceu em Boston (EUA), filha de pais brasileiros, e se mudou para o Rio ainda na infância. Formou-se em física na PUC-Rio e voltou para os Estados Unidos aos 21 anos de idade para fazer um doutorado no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), meca das ciências exatas e onde seu pai já havia estudado.

Reitora da Divisão de Ciências Físicas da Universidade de Chicago (EUA), Olinto foi eleita membro da Academia Americana de Artes e Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos neste ano —amostra de seu reconhecimento entre os físicos daquele país e do resto do mundo.

A física brasileira Angela Olinto
A física brasileira Angela Olinto, professora da Universidade de Chicago (EUA) - Divulgação

Em entrevista de Chicago por videoconferência, a cientista falou sobre a necessidade de incluir diversidade na ciência e disse que a pandemia de coronavírus mostrou os benefícios da ciência e do aconselhamento científico para a sociedade e para os governos: "É um desastre quando os cientistas não são ouvidos", afirma.


O que levou a sra. a escolher uma graduação em física e uma carreira como cientista? Quando eu fui para a PUC, no Rio, para fazer faculdade, eu estava com 16 anos. Eu tinha e ainda tenho muitos interesses, não só na ciência. A primeira coisa que eu pensei em fazer, bem mais cedo, era ir para o lado da arquitetura. Acabei fazendo vários vestibulares, mas quando consegui passar para fazer física, que era um dos vestibulares mais difíceis, fiquei animada. Pensei: 'então eu tenho uma chance!'

Vamos recebendo respostas da vida para nossas paixões que indicam os caminhos. A minha habilidade para tocar violão, por exemplo, não foi muito longe, mas a de fazer física foi. Acho que os primeiros professores que encontramos sempre são muito importantes, e eu tive professores maravilhosos na graduação e em várias áreas no segundo grau. Foi também uma sensação de poder fazer uma coisa relativamente bem, o que nos ajuda a querer fazer mais.

Estudar física é tão difícil quanto parece? Difícil, na realidade, para qualquer área, é trilhar um caminho novo. Você não acorda e grita: Eureka! Você descobre um caminho novo tentando vários caminhos que não vão a lugar nenhum. Então, a paciência tem que ser grande.

Várias perguntas na ciência ainda continuam em aberto, e por isso ficamos animados. São perguntas sobre matéria escura, energia escura, e as ondas gravitacionais do início do universo —esta última terá uma grande medição, que eu espero que na próxima década a gente já consiga fazer.

Neste ano, a sra. foi escolhida para se tornar membro da Academia Americana de Artes e Ciências, e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Qual a importância de termos representantes mulheres e sul-americanas nessas instituições? Foi uma grande surpresa e uma honra. Para mim, pessoalmente, é o ápice de reconhecimento da minha carreira.

Tem um lado de ser mulher, que é muito difícil, independentemente de ser brasileira. Na graduação, na PUC-Rio, eu tinha professoras, colegas mulheres. Não era a maioria, mas tinha o suficiente para eu não me sentir estranha. Quando eu cheguei nos Estados Unidos, foi um choque: nenhuma professora no doutorado em física no MIT e pouquíssimas alunas.

Anos depois, fui a primeira mulher a ganhar o tenure track [processo de promoção acadêmica de professores em universidades americanas] no meu departamento de física e astronomia na Universidade de Chicago; um departamento com uma tradição muito grande [foi o departamento do astrônomo americano Edwin Hubble], mas todos homens.

Ainda hoje não é muito confortável. Dirigi o departamento por cerca de oito anos no total e fazia questão de contratar a melhor mulher para as áreas que precisávamos. Mas não é fácil, as pessoas acham que você é burra porque é mulher, ou que só ganhou a posição por ser mulher. Se você não ganhou a posição, não merecia, e se você chegou à posição, não merecia também. Então não tem como ganhar com essas pessoas.

Temos de quebrar essas barreiras e mostrar que dá para ser mulher, ter marido, ter filhos e ter uma vida interessante.

Para o Brasil, [a eleição para as academias] mostra que qualquer pessoa em qualquer lugar é capaz de fazer ciência de alto nível. Tive colegas brilhantes na graduação e sempre que vou ao Brasil para visitar a família tento me conectar com as pessoas, temos projetos juntos. Os profissionais são de altíssimo nível.

Como ampliar a diversidade na ciência? Deve haver a diversidade de raça, de gênero, de pensamento, de habilidade e de histórico. Eu tive um pai na universidade, então cheguei sabendo como era. Quando a pessoa não tem ninguém dentro da universidade, e é a primeira de sua família a chegar ali, vai ter que descobrir tudo, e vai chegar com ideias diferentes.

Na ciência como um todo tem uma ideia de que o mérito é linear. Para mim, a realidade da ciência é multidimensional. Você tem que ser capaz de entender matemática e ir bem nas provas, mas também tem que ter criatividade, paciência e saber colaborar. Tem um monte de características para o sucesso no tempo mais longo que não são ensinadas e as pessoas não são treinadas para fazer.

Acho que o esforço deve estar em manter a meritocracia, em termos de tentar fazer a melhor ciência possível, mas abrindo para outras possibilidades.

Como a pandemia influenciou a sua produção e a de seus colegas? Ano passado eu já tinha uma responsabilidade muito grande, com mais de 2.000 pessoas na universidade. Pedi para a equipe escanear tudo e mudar para o online logo no início. Alguns acharam que eu estava exagerando, mas quando fechou tudo, já estávamos preparados. A primeira coisa foi tentar fazer com que a universidade continuasse funcionando.

Os profissionais mais teóricos conseguiram trabalhar em casa, mas os mais experimentais, dependem de laboratórios, que ficaram um mês totalmente fechados. Os primeiros laboratórios que voltaram a funcionar foram os que tinham pesquisas ligadas à Covid-19. A minha pesquisa, em colaboração com cientistas de outros países, está mais de seis meses atrasada, mas todos estão bem e vivos, o que considero um grande sucesso.

Foi impressionante a rapidez com que as vacinas foram feitas, e muitas pessoas trabalharam sem parar para que conseguíssemos chegar onde estamos agora; está tudo mais tranquilo por aqui. Espero que as pessoas fiquem orgulhosas dos cientistas.

Durante a pandemia, expressões que eram muito próprias do meio científico se popularizaram. Queremos saber a eficácia das vacinas, a probabilidade de se infectar com o vírus em determinadas situações e por aí vai… A ciência ficou pop? Infelizmente, estamos em uma época muito polarizada. As pessoas que estão muito orgulhosas dos cientistas, já gostavam de ciência antes, essa é a minha impressão. Mas ainda tem gente que nega a ciência, nega as vacinas, por exemplo. Acredito que alguns mais neutros tenham se convertido para o lado da ciência.

A ciência é uma das coisas mais democráticas. Não adianta ter dinheiro infinito, não se muda a lei da gravidade. Ela é o que é.

Espero que a geração mais jovem consiga se animar e ver o poder de salvar vidas que a ciência tem, ou que veja que é um desastre quando os cientistas não são ouvidos. É o que acontece no Brasil e também na Índia mais recentemente.

As pessoas falam o que querem e não sabem a diferença entre uma ideia com a qual os cientistas concordariam e algo que alguém simplesmente inventou.

Temos visto diversos jovens cientistas brasileiros desistirem do país para fazer sua carreira no exterior. Como podemos reverter essa situação? Um dos problemas é a instabilidade. Teve épocas em que os cientistas no Brasil ganhavam mais do que os daqui, e muitos que estavam nos EUA voltaram para o Brasil. Mas parece uma onda que sobe e desce. É a falta de estabilidade, de uma estrutura que não vai desaparecer só porque mudou o presidente. Nos Estados Unidos e na Europa existe menos essa sensação.

Outro fator, este muito presente nos Estados Unidos, é a inovação, o incentivo às novas tecnologias para desenvolver novos produtos. Muitos pesquisadores e professores não querem apenas desenvolver a tecnologia, querem construir a empresa que desenvolve os produtos também. Assim, se você consegue fazer tudo andar, tem mais estabilidade e independência. Não é algo fácil, e no Brasil, com a instabilidade, fica ainda mais difícil. Não é impossível, mas falta investimento.

O Brasil tem uma capacidade intelectual e de área do globo que dá visibilidade, não somos uma ilha pequena para a qual ninguém dá atenção, temos capital intelectual e natural.

Algo que poderia ajudar é uma priorização das academias de ciências que fazemos aqui, com um planejamento do que pode ser feito [projetos de pesquisa] no período de uma década. Assim, com orçamento realista, é possível prever como a ciência do país vai estar no futuro. Isso ajuda os próprios alunos, que sabem quais oportunidades terão.

Na minha visão governo e empresas devem atuar juntos, como acontece aqui. O Brasil tem alguma infraestrutura de pesquisa, mas ainda há muito para se construir.

RAIO-X

Angela Villela Olinto, reitora da Divisão de Ciências Físicas da Universidade de Chicago (EUA)

É física de astropartículas, com graduação em física pela PUC-Rio e doutorado em física teórica de partículas pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Em 2021, foi eleita para fazer parte da Academia Americana de Artes e Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos

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