Por que chimpanzés e gorilas ficam amigos na selva

Em um parque congolês, símios de diferentes espécies interagem socialmente, com os indivíduos se reconhecendo claramente

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Asher Elbein
The New York Times

Um pequeno bando de macacos antropoides alimentava-se numa árvore da floresta congolesa, permeada por neblina. Chimpanzés adultos comiam frutas na copa das árvores, enquanto dois macacos jovens brincavam ali perto. Mas um dos macacos era um gorila, não um chimpanzé.

"O que nos foi dito sobre as interações entre essas duas espécies é principalmente que os indivíduos são competitivos ou que uma espécie evita a outra", comentou Crickette Sanz, antropóloga da Universidade Washington em St. Louis que assistiu a uma cena como essa pela primeira vez em 2000. Mas ao longo de duas décadas de observações no Parque Nacional Nouabalé-Ndoki, na República Democrática do Congo, ela e seus colegas registraram relacionamentos que duraram anos e outras formas de interação social entre chimpanzés e gorilas individuais. Sua pesquisa foi publicada no mês passado na iScience.

Enquanto as populações de chimpanzés na África Oriental e Ocidental têm sido estudadas nas últimas décadas, os bandos presentes no Congo não são tão bem conhecidos, disse Sanz. Seu território coincide parcialmente com a região onde vive a maioria dos gorilas remanescentes, especialmente no remoto Triângulo de Goualougo.

Chimpanzés (à esq.) e um gorila na mesma árvore no Parque Nacional Nouabalé-Ndoki, na República Democrática do Congo
Chimpanzés (à esq.) e um gorila na mesma árvore no Parque Nacional Nouabalé-Ndoki, na República Democrática do Congo - Sean Brogan/GTAP/WCS via NYT

A partir de 1999, Sanz e seus colegas iniciaram um estudo de longo prazo de um bando de chimpanzés de Goualougo. Ao longo de excursões diárias em que acompanharam os macacos na floresta, a equipe documentou 285 interações entre as duas espécies em encontros que duraram entre um minuto e mais de oito horas.

Segundo Sanz, em muitos casos as interações ocorriam quando um bando de chimpanzés localizava uma refeição atraente, como um fícus com frutos ou uma sumaúma. O som dos chimpanzés animados atraía um grupo familiar de gorilas. Em 34% dos encontros, os dois bandos de macacos acabavam comendo ao mesmo tempo, na mesma árvore, ou então procuravam outros alimentos lado a lado.

Sanz disse que as interações que a equipe testemunhou foram de modo geral tolerantes e às vezes abertamente amistosas. Os gorilas maiores tendiam a abordar mães chimpanzés, mais que chimpanzés machos ou fêmeas sem filhos. A partir disso, diferentes indivíduos formavam pares para correr atrás um do outro, lutar e brincar juntos. Esses relacionamentos tendiam a durar anos, segundo a equipe descobriu: quando encontravam um bando da outra espécie, os macacos individuais às vezes o olhavam atentamente e depois iam diretamente para os indivíduos que já conheciam.

Essas interações não eram aleatórias. De vez em quando, os macacos que estavam interagindo irritavam um ao outro, e a equipe observou momentos de atrito. Mas as interações agressivas raramente iam além de alguns avisos gritados e nunca chegavam ao nível dos ataques letais entre macacos de diferentes espécies testemunhados no Gabão.

"Eles não passam o tempo todo juntos, mas ficam juntos mais regularmente e com mais frequência do que prevíamos que pudesse acontecer", disse Sanz. "Esses laços sociais não são o que teríamos esperado se fossem apenas interações aleatórias num cenário de busca de alimentos."

Sanz e seus colegas descobriram que esse tipo de ligação entre macacos de diferentes espécies não parece ajudar a evitar a predação. Em vez disso, a manutenção de laços amistosos parece abrir novas oportunidades alimentares, com macacos de diferentes espécies às vezes alertando uns aos outros sobre frutos mais difíceis de encontrar. O fato de alimentarem-se juntos, por sua vez, dá aos macacos a oportunidade de formar relacionamentos duradouros.

Chimpanzé fêmea com seu filhote em uma árvore
Os cientistas notaram que até chimpanzés fêmeas com filhotes interagem em associações interespécies com gorilas - Sean Brogan/GTAP/WCS via NYT

"Cinco ou dez anos para frente, esses indivíduos na paisagem se conhecem. Eles cresceram juntos, interagiram toda semana, mais ou menos, diante de diferentes tipos de recursos alimentares", disse Sanz.

É interessante que esses vínculos frequentemente começam com brincadeiras envolvendo indivíduos de duas espécies semelhantes, disse o primatologista Frans de Waal, da Universidade Emory, que não participou do estudo. "Deve ser tão divertido para eles brincarem juntos quanto é para nós brincarmos com um cachorro, por exemplo, ou outro animal companheiro. Isso amplia nossa visão dos sistemas sociais dos primatas, que tradicionalmente se limita às relações dentro de cada espécie."

A presença de interações pacíficas entre duas espécies de macacos antropoides tem implicações interessantes para nossa própria história evolutiva. Segundo Sanz, antropólogos muitas vezes supuseram que as várias espécies de hominínios competissem ativamente umas com as outras. Mas, se podemos julgar a partir dos chimpanzés e gorilas, os ancestrais da humanidade podem também ter se unido para compartilhar recursos em uma paisagem. Essa é uma possibilidade sugerida pela quantidade de cruzamentos entre diferentes espécies de hominínios.

Um gorila adulto deitando no chão com os braços debaixo da cabeça
Gorilas e chimpanzés do parque congolês parece que são capazes de identificar indivíduos de outras espécies e interagir com eles - Sean Brogan/GTAP/WCS via NYT

Infelizmente, esse tipo de partilha de alimentos pode oferecer oportunidades para a transmissão de doenças como o ebola, ondas do qual mataram milhares de chimpanzés e gorilas nas duas últimas décadas. A tolerância interespécies que a equipe documentou sugere que surtos de doenças podem ser transmitidos entre populações de macacos em risco de extinção mais facilmente do que se imaginava.

"É crucial que todos estejamos comprometidos com a conservação e com o esforço de proteger essas espécies", disse Sanz, tanto por elas mesmas quanto porque ainda temos muito o que aprender sobre elas. "Como primatologistas, acho que ainda temos um longo caminho a percorrer na compreensão da variedade ou diversidade comportamental. Tendemos a entender um grupo ou modelo específico e achar que isso se aplica todos. Me parece que existe muito mais variação do que pensávamos."

Tradução de Clara Allain

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