Vacas alimentadas com Cannabis ficam 'chapadas'. E quem toma o leite?

Cânhamo dado a vacas Holstein fez chegar THC ao leite que elas produzem, de acordo com um grupo de cientistas alemães

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André Jacobs
The New York Times

As vacas que consomem Cannabis ficam esfomeadas e passam mais tempo rindo com suas amigas "chapadas"?

Pode parecer o começo de uma piada de mau gosto, mas pesquisadores alemães que tentam entender os efeitos da alimentação de vacas leiteiras com THC, o composto psicoativo encontrado no cânhamo industrial, fizeram algumas descobertas intrigantes, de acordo com um estudo publicado esta semana na revista Nature Food.

Em comparação com as vacas que receberam a dieta comum de milho e feno, as Holstein alimentadas com cânhamo ficaram mais relaxadas, salivaram e bocejaram com mais frequência e muitas vezes praticaram jogos de língua caprichosos, segundo o estudo. Elas também passavam mais tempo relaxando no celeiro enquanto mastigavam e ruminavam o universo.

Cientistas alemães afirmam que o cânhamo rico em THC deixa traços no leite das vacas Holstein
Cientistas alemães afirmam que o cânhamo rico em THC deixa traços no leite das vacas Holstein - Jovelle Tamayo/NYT

Elas não exibiram, no entanto, uma tendência à compulsão alimentar.

Embora as mudanças comportamentais fossem dignas de nota, elas foram, de certa forma, consequências imprevistas de um experimento realizado por pesquisadores do Instituto Federal Alemão de Avaliação de Riscos, que pretendia descobrir como o cânhamo carregado de THC poderia afetar a produção leiteira. Os cientistas também queriam saber se o THC (abreviação de tetrahidrocanabinol) poderia chegar aos humanos através do leite.

Essas questões são especialmente pertinentes para os produtores de cânhamo americanos, que têm lutado para encontrar uma saída para as toneladas de sobras de material fibroso depois que compostos canabinoides como o CBD são extraídos da Cannabis sativa, a planta com flores que produz níveis amplamente divergentes de THC, dependendo do cultivar.

A principal diferença entre o cânhamo e a maconha é o nível de THC —o cânhamo não pode conter mais de 0,3% de THC. Há muito valorizado por suas fibras têxteis e para a fabricação de cordas, o cânhamo foi banido na década de 1930 durante um espasmo de fervor antidrogas que foi bem capturado no clássico filme cult "Reefer Madness" ("A Loucura da Maconha").

Nos Estados Unidos, o Congresso reverteu a proibição do cultivo de cânhamo em 2018, o que alimentou o mercado em expansão de óleo CBD e inúmeros produtos que o contêm, mas o cânhamo não pode ser legalmente usado como alimento para o gado.

"Os agricultores de cânhamo estão lutando para lidar com toneladas dessa biomassa indesejada", disse Jonathan Miller, conselheiro geral da US Hemp Roundtable, um grupo setorial.

O estudo alemão oferece esperança aos produtores e traz motivos para cautela. Os pesquisadores descobriram que os níveis naturais, mas limitados, de THC na maior parte do cânhamo industrial não tiveram efeito nas dez vacas do experimento. Mas, quando alimentaram os animais com botões de flores e folhas —partes da planta de cânhamo que contêm concentrações mais altas de THC—, os pesquisadores descobriram que as vacas comiam menos e que a produção de leite caía significativamente.

Talvez mais importante, pelo menos para os humanos, o THC entrou no leite, às vezes em níveis que excediam os limites de consumo estabelecidos pelos reguladores de segurança alimentar da Europa. (Os Estados Unidos não têm padrão comparável. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças aconselham as novas mães a evitar produtos de maconha e CBD durante a amamentação, dizendo que a pesquisa sobre os efeitos de meros vestígios para uma criança permanece incerta.)

Dito isso, o THC tornou-se indetectável logo depois que o cânhamo foi removido da dieta das vacas. Sinais aparentes de intoxicação, incluindo olhos avermelhados, nariz escorrendo e o que os autores do estudo descreveram como uma "marcha instável" e uma "postura anormal" desapareceram dois dias depois que as vacas entraram em abstinência.

Robert Pieper, um dos principais autores do estudo, disse que não está claro se a queda na produção de leite foi causada pelo THC ou por uma ou mais das dezenas de outros canabinoides ou substâncias químicas encontradas nas plantas de cânhamo.

As descobertas estão amplamente em sintonia com outros estudos recentes realizados nos EUA que envolvem cânhamo e gado. Pesquisadores da Universidade Estadual do Oregon que alimentaram ovelhas com cânhamo encontraram pequenas quantidades de THC no músculo e na gordura do animal, mas a substância química desapareceu várias semanas depois que o cânhamo foi removido de sua dieta.

Serkan Ates, professor associado da Faculdade de Ciências Agrícolas do Estado do Oregon, disse que os estudos que ele e seus colegas fizeram com ovelhas e vacas leiteiras o convenceram de que há poucas desvantagens na introdução do cânhamo na dieta de animais de fazenda, especialmente devido ao custo crescente da ração convencional. "O valor nutricional do cânhamo é muito alto, mas a maior parte acaba em aterros sanitários ou compostagem", disse ele.

Em estudos feitos na Universidade Estadual do Kansas, o THC apareceu no plasma de gado alimentado com cânhamo, mas os pesquisadores também descobriram algo inesperado: os animais estavam notavelmente mais relaxados, de acordo com biomarcadores que indicam níveis de estresse. Assim como no estudo alemão, que registrou batimentos cardíacos e respiratórios mais baixos em vacas que consumiam altos níveis de THC, os animais também passaram mais tempo deitados ao lado de seus companheiros de celeiro.

Michael Kleinhenz, professor assistente de medicina de produção de carne bovina na Universidade Estadual do Kansas, que participou dos estudos, disse que as descobertas sugerem que o cânhamo impregnado com THC pode ter benefícios práticos. Por um lado, novilhas que passam mais tempo relaxando tendem a ganhar mais peso, mas uma vaca extasiada também é mais saudável, disse Kleinhenz.

Ele citou pesquisas preliminares que sugerem que a redução do estresse pode ajudar a amenizar os efeitos de conduzir o gado para o capítulo final de suas vidas, quando são colocados em caminhões que os levam para confinamento e abate. A experiência não é agradável e muitas vezes é seguida por um pico de doenças respiratórias e outros problemas de saúde.

Kleinhenz disse que aliviar essa jornada estressante com um pouco de maconha na ração, por assim dizer, poderia deixar as vacas mais felizes e melhorar os resultados financeiros dos fazendeiros. "Sempre que melhoramos as coisas para o animal, nós saímos ganhando."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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