Avanço nos EUA aumenta esperanças de energia limpa

Cientistas obtêm pela 1ª vez ganho líquido de energia numa reação de fusão, o que pode fornecer uma alternativa a combustíveis fósseis

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Tom Wilson
Londres

Cientistas do governo dos Estados Unidos fizeram um grande avanço na busca por energia ilimitada e zero carbono ao obter pela primeira vez um ganho líquido de energia numa reação de fusão, de acordo com três pessoas informadas sobre os resultados preliminares de um experimento recente.

Desde a década de 1950, os físicos procuram aproveitar a reação de fusão que alimenta o sol, mas nenhum grupo conseguiu produzir mais energia do que a própria reação consome –um marco conhecido como ganho de energia líquida ou ganho-alvo, que ajudaria a provar o processo, poderia fornecer uma alternativa confiável e abundante aos combustíveis fósseis e à energia nuclear convencional.

O Laboratório Nacional Federal Lawrence Livermore, na Califórnia, que usa um processo chamado fusão por confinamento inercial, que envolve o bombardeio de um minúsculo pellet de plasma de hidrogênio com o maior laser do mundo, obteve ganho líquido de energia em um experimento de fusão nas últimas duas semanas, disseram as pessoas.

Ténicos utilizam elevador para acessar o interior de câmara no Laboratório Nacional Federal Lawrence Livermore, na Califórnia, para serviços de inspeção e manutenção - Philip Saltonstall/Lawrence Livermore National Laboratory/AFP

Embora muitos cientistas acreditem que as usinas de fusão ainda estão a décadas de distância, o potencial da tecnologia é difícil de ignorar. As reações de fusão não emitem carbono e não produzem resíduos radioativos de longa duração, e um pequeno copo de combustível de hidrogênio poderia, teoricamente, abastecer uma casa durante centenas de anos.

O avanço dos EUA ocorre quando o mundo luta contra os altos preços da energia e a necessidade de abandonar rapidamente a queima de combustíveis fósseis para que as temperaturas médias globais não atinjam níveis perigosos. Por meio da Lei de Redução da Inflação, o governo Biden está investindo quase US$ 370 bilhões em novos subsídios para energia de baixo carbono, num esforço para reduzir as emissões e vencer uma corrida global pela tecnologia limpa de última geração.

A reação de fusão nas instalações do governo dos EUA produziu cerca de 2,5 megajoules de energia, o que representa cerca de 120% dos 2,1 megajoules de energia dos lasers, disseram as pessoas com conhecimento dos resultados, acrescentando que os dados ainda estão sendo analisados.

O Departamento de Energia dos Estados Unidos disse que a secretária de Energia, Jennifer Granholm, e a subsecretária de segurança nuclear, Jill Hruby, anunciarão "um grande avanço científico" do Laboratório Nacional Lawrence Livermore nesta terça-feira (13). O departamento não quis fazer mais comentários.

O laboratório confirmou que uma experiência bem-sucedida ocorreu recentemente em sua Instalação Nacional de Ignição (NIF na sigla em inglês), mas disse que a análise dos resultados estava em andamento.

"Os dados iniciais de diagnóstico sugerem outro experimento bem-sucedido na Instalação Nacional de Ignição. No entanto, o rendimento exato ainda está sendo determinado e não podemos confirmar se está acima do limite neste momento", afirmou. "Essa análise está em processo, portanto, publicar as informações... antes que o processo seja concluído seria impreciso."

Duas das pessoas com conhecimento dos resultados disseram que a saída de energia foi maior do que o esperado, o que danificou alguns equipamentos de diagnóstico, dificultando a análise. A descoberta já estava sendo amplamente discutida pelos cientistas, acrescentaram as pessoas.

"Se isso for confirmado, estamos testemunhando um momento histórico", disse o doutor Arthur Turrell, físico de plasma cujo livro "The Star Builders" [construtores de estrelas] mostra o esforço para alcançar a energia de fusão. "Os cientistas têm lutado para mostrar que a fusão pode liberar mais energia do que é aplicada desde a década de 1950, e os pesquisadores do Lawrence Livermore parecem ter definitiva e absolutamente superado esse objetivo de décadas."

A Instalação Nacional de Ignição, de US$ 3,5 bilhões, foi projetada principalmente para testar armas nucleares simulando explosões, mas desde então tem sido usada para avançar na pesquisa de energia de fusão. Ela chegou mais perto do ganho líquido de energia no mundo no ano passado, quando produziu 1,37 megajoules a partir de uma reação de fusão, o que representava cerca de 70% da energia dos lasers naquela ocasião.

No lançamento de uma nova estratégia de energia de fusão da Casa Branca neste ano, o congressista Don Beyer, presidente do comitê bipartidário de energia de fusão, descreveu a tecnologia como o santo graal da energia limpa, acrescentando: "A fusão tem o potencial de tirar da pobreza mais cidadãos do mundo do que qualquer coisa desde a invenção do fogo".

A maioria das pesquisas de fusão adota uma abordagem diferente conhecida como fusão de confinamento magnético, na qual o combustível de hidrogênio é mantido no lugar por ímãs poderosos e aquecido a temperaturas extremas para que os núcleos atômicos se fundam.

Historicamente, essa ciência tem sido feita por grandes laboratórios com financiamento público, como o Joint European Torus em Oxford (Reino Unido), mas nos últimos anos o investimento também inundou empresas privadas que prometem fornecer energia de fusão na década de 2030.

Nos 12 meses até o final de junho, as empresas de fusão levantaram US$ 2,83 bilhões em investimentos, de acordo com a Associação da Indústria de Fusão, elevando o investimento total do setor privado até o momento para quase US$ 4,9 bilhões.

Nicholas Hawker, executivo-chefe da startup First Light Fusion, com sede em Oxford, que está desenvolvendo uma abordagem semelhante à usada na NIF, descreveu o potencial avanço como "mudança de jogo".

"Não poderia ser mais profundo para a energia de fusão", disse ele.

Colaboraram David Sheppard e Derek Brower

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