Descrição de chapéu genética

20 anos após a morte da ovelha Dolly, eficiência da clonagem avançou pouco

Primeiro clone de um mamífero revolucionou a genética, mas gerou restrições legislativas e éticas ao redor do mundo

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São Carlos (SP)

A morte prematura da ovelha clonada Dolly, que sofria de um câncer avançado nos pulmões e foi sacrificada em 14 de fevereiro de 2003, parecia um aviso de que era preciso pensar muito bem antes de sair por aí copiando geneticamente mamíferos como ela. Vinte anos depois, os cientistas conhecem muito melhor os mecanismos por trás da criação de Dolly, mas a eficiência da clonagem avançou relativamente pouco —e não há sinais de que isso deva mudar tão cedo.

Gerada em experimentos feitos por Keith Campbell, Ian Wilmut e outros pesquisadores do Instituto Roslin, na Escócia, Dolly fez história por ser o primeiro clone artificial de um mamífero. Na técnica empregada pelos cientistas britânicos, conhecida como transferência nuclear, o núcleo de uma célula das glândulas mamárias de uma ovelha adulta foi inserido num óvulo cujo próprio núcleo foi retirado.

Ao fazer com que essas duas estruturas se fundissem, foi como se os pesquisadores "convencessem" o material genético contido no núcleo a retornar ao estado que tinha quando a ovelha doadora era apenas um zigoto (óvulo recém-fecundado por um espermatozoide). Como o DNA da maioria das células dos mamíferos contém a "receita" para a produção de todo o organismo, o processo desencadeou o desenvolvimento de um novo embrião de ovelha, praticamente idêntico, do ponto de vista genético, à ovelha adulta.

A ovelha Dolly, primeiro clone de animal adulto do mundo, olha para os fotógrafos em sua reaparição em Edimburgo, na Escócia
A ovelha Dolly, primeiro clone de animal adulto do mundo, olha para os fotógrafos em sua reaparição em Edimburgo, na Escócia - Jeff J Mitchell - 4.jan.02/Reuters

Além do câncer de pulmão, Dolly também tinha artrite nas patas, embora ainda fosse uma ovelha relativamente jovem, somando apenas seis anos e meio quando morreu (a expectativa de vida de ovinos derivados das mesmas raças que ela é de uns 12 anos).

Uma investigação conduzida pelo Instituto Roslin não revelou uma relação direta entre as doenças do animal e o processo de clonagem. Mesmo assim, os estudos da época, bem como outros realizados desde então, indicam que há alguns problemas intrínsecos quando um mamífero é gerado dessa maneira.

O principal deles tem a ver com o processo conhecido como "imprinting" ou estampagem genômica. Ele está diretamente ligado ao fato de que a quase totalidade do DNA dos mamíferos está presente em duas cópias, uma derivada do pai e a outra da mãe de cada indivíduo. Num processo complexo de marcação (a tal estampagem) bioquímica, os trechos de origem materna e paterna são ativados e desativados seguindo um padrão típico da espécie e do sexo do animal quando o zigoto é formado e começa a se desenvolver.

No entanto, ao que parece, esse processo pode sofrer percalços quando o núcleo é "reiniciado" durante a clonagem. Isso faz com que o desenvolvimento embrionário dos clones frequentemente seja truncado, com animais adquirindo tamanho e peso excessivos, enquanto outros embriões não chegam a se desenvolver.

Tudo isso faz com que seja necessária uma quantidade grande de óvulos e de "mães de aluguel" —as quais, em geral, enfrentam uma gravidez de risco— para que animais clonados nasçam e sobrevivam mais do que poucos dias após o parto. Essa enorme dificuldade técnica, além de restrições legislativas e éticas em todo o mundo, é o principal motivo pelo qual a abordagem nunca foi testada para gerar seres humanos até agora.

No caso de animais, a aplicação no caso de diversas espécies de mamíferos é muito mais comum, com milhares de indivíduos que alcançaram a idade adulta. Isso vale tanto para animais de laboratório (camundongos e ratos) quanto para animais de estimação (cães e gatos) e produtores de leite e carne (bovinos e suínos). Nesse último caso, a aplicação principal da técnica é contar com animais de qualidade genética garantida, levando às últimas consequências práticas como a inseminação artificial em massa a partir de grandes reprodutores.

No entanto, os custos e as dificuldades técnicas ainda fazem com que o emprego da clonagem seja muito raro. O mesmo vale para as poucas empresas internacionais que oferecem o serviço de "ressuscitar" um animal de estimação a partir de seu DNA. Nesses casos, o dono que acreditar que seu novo bicho será uma cópia exata do que morreu estará comprando gato por lebre: influências como o útero da mãe de aluguel, variações aleatórias na ativação de certos genes e o ambiente do animal tendem a alterar sua aparência e seu comportamento.

Se a técnica talvez nunca seja usada para gerar clones humanos e tenha desempenho fraco com animais, é indiscutível que o conhecimento gerado graças a ela trouxe avanços científicos importantes. Ao estudar como diferentes trechos do DNA são ligados e desligados pela clonagem, os cientistas obtiveram dados sobre como uma única célula dá origem a todos os tecidos que constroem o organismo.

De início, a esperança era usar esse conhecimento na chamada clonagem terapêutica. Em essência, a ideia era produzir um embrião clonado a partir das células de uma pessoa e usar as células dele em seus estágios iniciais para produzir tecidos para transplantes que não levariam a uma rejeição, como acontece com os órgãos transplantados.

Contudo, além dos questionamentos éticos sobre a destruição dos embriões, o avanço de outras técnicas acabou deixando a clonagem terapêutica em segundo plano. Cientistas como o japonês Shinya Yamanaka descobriram que era possível reprogramar células adultas para que elas retornassem ao estado embrionário, sem passar pela transferência nuclear. Essa é a técnica considerada mais promissora hoje, embora ainda não seja usada em tratamentos de larga escala. Mesmo assim, é provável que ela não fosse formulada sem os insights trazidos pela clonagem.

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