Descrição de chapéu The New York Times

Em uma tumba romana, 'pregos mortos' revelam uma prática oculta

Desenterrados de um cemitério imperial do século 2º, itens eram usados para conter 'mortos inquietos'

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The New York Times

No que se refere ao tratamento de doenças, não faltavam aos antigos romanos remédios mágicos, muitos dos quais envolviam pregos de ferro. Para curar epilepsia, o historiador Plínio, o Velho, do século 1o, aconselhava cravar um prego no chão no local onde estava a cabeça da pessoa afetada no início do ataque.

Os romanos martelavam pregos nas portas para evitar pragas, e pregos de caixão nas soleiras para afastar os pesadelos. Pregos de tumbas e crucificações às vezes eram usados ao redor do pescoço como proteção contra febres, malária e feitiços malignos.

Recentemente, arqueólogos escavaram um conjunto incomum de talismãs em uma necrópole no alto de uma montanha nos arredores de Sagalassos, no sudoeste da Turquia. Em uma antiga tumba imperial romana, foram encontrados 41 pregos quebrados espalhados entre os restos cremados de um homem adulto que viveu no século 2o d.C. e foi enterrado ali.

Parte do conteúdo encontrado na cremação primária em Sagalassos: alguns dos 'pregos mortos', uma moeda, restos queimados de um osso, unhas comprimidas e cacos de vidro
Parte do conteúdo encontrado na cremação primária em Sagalassos: alguns dos 'pregos mortos', uma moeda, restos queimados de um osso, unhas comprimidas e cacos de vidro - Projeto de Pesquisas Sagalassos

Vinte e cinco dos pregos estavam sem cabeça e deliberadamente dobrados em ângulo reto; os outros eram pregos completos de cabeça redonda, com as hastes torcidas várias vezes. Essa prática funerária incomum é o tema de um novo estudo publicado na revista Antiquity.

"Os pregos não foram usados na construção da pira e não tinham qualquer propósito prático", disse Johan Claeys, arqueólogo da Universidade Católica de Leuven (Bélgica) e principal autor do artigo. "Eles teriam sido valiosos o suficiente para ser recuperados, se ainda servissem. Mas eram pregos mortos, e a maneira como foram distribuídos ao redor do perímetro da tumba sugere que a colocação foi proposital." Por "pregos mortos" ele quis dizer que se acreditava que tivessem poder oculto.

Na época, as cinzas e restos não queimados de corpos cremados eram comumente colocados em urnas e enterrados em sepulturas ou colocados em mausoléus. Neste caso, a pira foi cuidadosamente selada sob uma plataforma de duas dezenas de tijolos, dispostos em quatro fileiras. A parte inferior dos tijolos estava descolorida, indicando que haviam sido colocados sobre as brasas ainda fumegantes. Os tijolos foram então cobertos com cal apagada.

Cada uma dessas três características —os pregos, os tijolos e a cal— foi encontrada em outras sepulturas no antigo Mediterrâneo, mas esta foi a primeira vez que foram vistas juntas, disse Claeys. Isso implica fortemente o uso de encantamentos de proteção para impedir que os "mortos inquietos" interferissem com os vivos, disse ele.

O novo estudo ofereceu evidências significativas de que "magia protetora" era usada nas necrópoles da Roma Imperial, disse Silvia Alfayé, professora de história antiga da Universidade de Zaragoza, na Espanha, que não participou do projeto. "A cremação de Sagalassos nos conta uma história pessoal, mas também social, de cuidado, esperança, desprezo, respeito, dor e medo diante da perda", disse ela. "Revela a escolha da magia como tecnologia ritual mais adequada para lidar com a ansiedade da morte e a ameaça de fantasmas."

Adriano

Sagalassos foi construída nas encostas da cordilheira Taurus, cerca de 1.500 metros acima do nível do mar, no final do século 5o a.C., quando a região fazia parte do Império Aquemênida. Capturada em 333 a.C. por Alexandre, o Grande, em sua marcha pela costa da Anatólia, Sagalassos foi governada de longe, se é que foi, por membros de sua camarilha governante e seus descendentes: Antígono, o Caolho, possivelmente Lisímaco da Trácia, e os Selêucidas da Síria, que são creditados com a urbanização da área.

No século 2o a.C., Sagalassos havia se tornado uma cidade-estado do reino helenístico Atálida. Com a morte do rei Átalo 3o em 133 a.C., o assentamento foi cedido à República Romana e, um século depois, incorporado ao império. A movimentada metrópole foi posteriormente favorecida pelo imperador Adriano (117 d.C.-138 d.C.), que a nomeou o centro regional do culto imperial.

Na Antiguidade tardia, Sagalassos, embora ainda dinâmica e resiliente, perdeu importância. A partir do século 6o sofreu um terremoto, recessão, epidemias e invasões, até ser abandonada no século 13. Amplamente protegida de saques e vandalismo por seu extremo isolamento, Sagalassos hoje permanece notavelmente bem preservada, com uma biblioteca, um anfiteatro e teatro ao ar livre, dois grandes balneários, uma mansão de 60 quartos, uma fonte monumental e estátuas colossais de Adriano, do também imperador Septímio Severo e da imperatriz Faustina, a Velha.

Ruínas da cidade de Sagalassos, atualmente Turquia, onde arqueólogos encontraram a necrópole com os 'pregos mortos' usados em ritual
Ruínas da cidade de Sagalassos, atualmente Turquia, onde arqueólogos encontraram a necrópole com os 'pregos mortos' usados em ritual - Mustafa Kaya - 25.jun.22/Xinhua

Arqueólogos da Universidade Católica têm escavado sistematicamente a área ao redor de Sagalassos desde 1990. Em 2011, começaram uma nova exploração do perímetro nordeste da cidade, uma espécie de expansão suburbana prematura originalmente dedicada a terraços agrícolas que foram convertidos para fins funerários e artesanais. A escavação descobriu relíquias, túmulos intactos e vestígios de piras crematórias que abrangem seis séculos.

"Como Sagalassos pertencia às partes de língua grega do Império Romano, muitas de suas práticas funerárias são de natureza mais grega do que romana", disse Sam Cleymans, antropólogo do Museu Galo-Romano da Bélgica, que também trabalhou no novo artigo.

Os chamados "pregos mortos" apareceram em 2012. Cleymans, então um estudante que fazia trabalho de campo no local, lembrou-se de ter lido uma breve descrição de pregos espalhados ao redor de enterros na necrópole romana de Blicquy, na Bélgica. "O relato mencionou que alguns estavam dobrados e não pareciam ter sido usados como pregos de caixão", disse ele. "O autor interpretou esses pregos como uma forma de prender os espíritos dos mortos à sepultura para impedi-los de vagar por aí."

Segundo Alfayé, a ideia por trás dos pregos tortos e quebrados era erguer uma barreira de mão dupla que protegesse tanto os mortos quanto os vivos.

Moeda para Caronte

Pregos à parte, disse Claeys, a cremação de Sagalassos foi realizada com pelo menos alguns dos ritos funerários tradicionais que se poderiam esperar de fontes antigas e paralelos arqueológicos.

Quem enterrou o homem talvez tivesse medo dele, mas claramente tomou cuidado no processo. A tumba foi respeitosamente decorada com bens terrenos, como cestas, frascos de perfume, roupas, urnas de cerâmica, vasos contendo grãos e nozes e o óbulo de Caronte, uma moeda colocada na boca ou perto do corpo do morto para garantir a passagem segura para o submundo.

Os pesquisadores não puderam determinar se parentes do falecido foram enterrados nas proximidades. O parentesco normalmente pode ser estabelecido apenas por meio de inscrições ou análise de DNA. Nenhuma das sepulturas de Sagalassos continha epitáfios, e o material genético é frequentemente destruído por altas temperaturas em cremações antigas. "Os dentes, especialmente os molares, são indiscutivelmente a melhor fonte para a extração de DNA", disse Claeys. "Não recuperamos nenhum molar."

Por outro lado, acrescentou, a cremação ocorreu perto da borda leste da trincheira de escavação da equipe. "Quem sabe o que está a apenas alguns metros a leste?", disse Claeys. Ele se preocupa que embora ampliar a trincheira possa fornecer respostas, também abra todo um conjunto de novas perguntas.

"Em algum momento você terá que fazer escolhas, idealmente com base em questões de pesquisa, mas as restrições de tempo e financeiras também desempenharão seu papel", disse ele. "O princípio básico é que é melhor deixar o registro arqueológico intocado, desde que não esteja ameaçado, o que explica as intervenções muitas vezes limitadas que fazemos em Sagalassos."

Alfayé gosta da expressão espanhola "dar en el clavo" —acertar em cheio. "O significado é encontrar a pista, descobrir algo", disse ela. Nos antigos cemitérios de Sagalassos, algo está sempre à espera de ser descoberto.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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