Descrição de chapéu The New York Times África

Antigos parentes de humanos enterravam mortos em cavernas, afirma nova teoria

O Homo naledi, apesar de ter cérebros minúsculos, pode ter acendido fogueiras e decorado paredes ao redor dos túmulos de seus mortos

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Carl Zimmer
The New York Times

Em 2015, cientistas relataram uma descoberta surpreendente nas profundezas de uma caverna sul-africana: mais de 1.500 fósseis de uma antiga espécie de hominídeos que nunca havia sido vista.

As criaturas, batizadas de Homo naledi, eram baixas, com braços longos, dedos curvos e um cérebro com cerca de um terço do tamanho do de um ser humano moderno. Eles viveram na época em que os primeiros humanos vagavam pela África.

Agora, depois de anos analisando as superfícies e sedimentos da elaborada caverna subterrânea, a mesma equipe de cientistas está fazendo outro anúncio importante: o Homo naledi —apesar de seus cérebros minúsculos— enterrava seus mortos em sepulturas. Eles acendiam fogueiras para iluminar a descida para a caverna e marcavam as sepulturas com inscrições nas paredes.

Quatro imagens mostram um diagrama das áreas de sepultamento das escavações na caverna Rising Star na África do Sul: A, um mapa das principais áreas de sepultamento; B, uma fotografia do corpo de um Homo naledi adulto; C e D, ilustrações das posições dos ossos nas sepulturas
Imagens mostram um diagrama das áreas de sepultamento das escavações na caverna Rising Star na África do Sul: A, um mapa das principais áreas de sepultamento; B, uma fotografia do corpo de um Homo naledi adulto; C e D, ilustrações das posições dos ossos nas sepulturas - Berger et al., 2023 via The New York Times

Lee Berger, paleoantropólogo da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo (África do Sul), e líder do projeto, disse que a descoberta de que um hominídeo de cérebro pequeno fazia coisas semelhantes às humanas é profunda. Ela sugere que cérebros grandes não são essenciais para tipos sofisticados de pensamento, disse ele, como fazer símbolos, cooperar em expedições perigosas ou até mesmo reconhecer a morte.

"Este é o momento 'Star Trek'", disse ele. "Você sai, conhece uma espécie, não é humana, mas é igualmente complexa para os humanos. O que você faz? Esse é o nosso momento, agora."

Mas vários especialistas em inscrições e cemitérios antigos disseram que as evidências ainda não sustentam essas conclusões extraordinárias sobre o Homo naledi. As evidências da caverna encontradas até agora podem ter várias outras explicações, segundo eles. Os esqueletos podem ter sido simplesmente deixados no chão da caverna, por exemplo. E o carvão e as gravuras encontradas podem ter sido deixados por humanos modernos que entraram muito depois da extinção do Homo naledi.

"Parece que a narrativa é mais importante do que os fatos", disse Maxime Aubert, arqueólogo da Universidade Griffith, na Austrália.

Berger estava programado para descrever as descobertas numa reunião científica na segunda-feira (5), e três artigos detalhando as evidências serão divulgados pela revista eLife. Os estudos estão atualmente sob revisão por pares, disse um porta-voz da revista, e essas revisões serão publicadas quando forem concluídas.

Os restos do Homo naledi foram descobertos em 2013 por dois espeleólogos sul-africanos que exploravam a caverna Rising Star. Berger organizou uma expedição ao complexo sistema de câmaras e túneis, que se estende por quilômetros no subsolo.

Foto de gravuras em uma parede na caverna Rising Star, na África do Sul. Os pesquisadores afirmam que as marcas foram criadas por um parente de cérebro pequeno dos humanos, o Homo naledi, há mais de 240 mil anos
Foto de gravuras em uma parede na caverna Rising Star, na África do Sul. Os pesquisadores afirmam que as marcas foram criadas por um parente de cérebro pequeno dos humanos, o Homo naledi, há mais de 240 mil anos - Berger et al., 2023b via The New York Times

"Quando você está lá, é como se estivesse em outro planeta", disse Tebogo Makhubela, geólogo da Universidade de Joanesburgo que se juntou à equipe em 2014.

Os pesquisadores encontraram uma grande quantidade de ossos, mas alcançá-los exigiu escavações arriscadas. Algumas passagens eram tão estreitas que apenas membros menores da equipe conseguiam passar.

Ao todo, os pesquisadores encontraram ossos de pelo menos 27 indivíduos. Parecia improvável para Berger e seus colegas que eles pudessem simplesmente ter entrado nas profundezas da caverna.

Em seu relatório de 2015, os pesquisadores sugeriram que o Homo naledi levou os corpos para lá deliberadamente, mas os deixou no chão da caverna em vez de enterrá-los, ato que os arqueólogos chamam de "depósito [ou esconderijo] funerário". Essa ainda era uma afirmação provocativa, dada a aparência primitiva do Homo naledi. Berger e seus colegas argumentaram que a espécie pertencia a uma linhagem que se separou de nossos próprios ancestrais há mais de 2 milhões de anos. Enquanto nossa linhagem cresceu e ganhou um grande cérebro, a deles, não.

No princípio, os cientistas pensaram que os fósseis estivessem espalhados de modo uniforme pelo chão da câmara. Mas, ao escavarem mais sedimentos em 2018, observaram que dois esqueletos bastante completos repousavam dentro de depressões ovais.

E não parecia que os esqueletos haviam formado as depressões ao afundar no sedimento. Por exemplo, uma camada laranja de lama envolvia as depressões, mas não estava dentro delas. Nas bordas, o corte parecia limpo.

Essa descoberta, bem como outras linhas de evidência, levaram Makhubela e seus colegas a concluir que os restos mortais foram enterrados. "Todos parecem pintar a mesma imagem", disse ele.

Até agora, apenas humanos eram conhecidos por enterrar seus mortos, e a mais antiga sepultura humana conhecida data de 78 mil anos. O Homo naledi viveu muito antes disso. Makhubela disse que seus fósseis tinham pelo menos 240 mil anos e podem ter até 500 mil.

Os cientistas também encontraram pedaços de carvão, ossos queimados de tartarugas e coelhos e fuligem nas paredes das cavernas próximas aos fósseis. Eles propuseram que o Homo naledi usava brasas incandescentes para iluminar o caminho para as cavernas e trazia madeira ou algum outro combustível para fazer fogueiras. Eles podem ter cozinhado os animais para se alimentar, ou talvez em rituais.

Quando essas novas descobertas vieram à tona, Berger decidiu que deveria dar uma olhada numa das câmaras, conhecida como Dinaledi, que continha uma suposta sepultura. Ele teve que perder 24 quilos para atravessar a passagem. Em julho, estava pronto para a jornada.

Berger entrou sozinho e examinou os fósseis. Ao sair, passou por um pilar. Do lado, notou um conjunto de ranhuras semelhantes ao "hashtag", ou "jogo da velha", gravadas na superfície dura.

Sair foi mais difícil do que entrar. "Quase morri", disse Berger, mas ele conseguiu escapar com uma lesão no ombro. Dois membros da equipe, Agustín Fuentes, da Universidade de Princeton, e John Hawks, da Universidade de Wisconsin, esperavam por ele na câmara adjacente. Berger lhes mostrou as fotos dos sulcos que tinha tirado.

Os dois cientistas imediatamente foram para seus telefones e puxaram a mesma imagem: uma gravura numa caverna em Gibraltar feita por neandertais. Era surpreendentemente semelhante ao que Berger acabara de ver.

Com base no número crescente de fósseis que os cientistas estão encontrando em Rising Star, disse Fuentes, parece que o Homo naledi pode ter visitado a caverna por centenas de gerações, movendo-se em grupo para as profundezas escuras para enterrar seus mortos e marcar o local com arte.

Esse tipo de prática cultural, argumentou ele, teria exigido algum tipo de linguagem. "Você não pode fazer isso sem uma comunicação complexa", disse.

"Estou muito otimista de que eles tenham enterros, mas o júri ainda não decidiu", disse Michael Petraglia, diretor do Centro Australiano de Pesquisa para a Evolução Humana. Petraglia queria ver uma análise mais detalhada do sedimento e outros tipos de evidências antes de julgar se os buracos ovais eram túmulos. "O problema é que eles estão à frente da ciência", disse ele.

E Paul Pettitt, arqueólogo da Universidade de Durham, na Inglaterra, disse que é possível que o Homo naledi não tenha levado os corpos para escondê-los ou enterrá-los. Os corpos podem ter sido levados pela enxurrada. "Não estou convencido de que a equipe demonstrou que esse foi um cemitério deliberado", disse ele.

Quanto às gravações e às fogueiras, os especialistas disseram que não estava claro se o Homo naledi foi o responsável por elas. É possível que fossem obra de humanos modernos que entraram na caverna milhares de anos depois. "A coisa toda não é convincente, para dizer o mínimo", disse João Zilhão, arqueólogo da Universidade de Barcelona.

Uma forma de testar essas possibilidades seria coletar amostras das gravuras, carvão e fuligem para calcular sua idade.

Se um hominídeo como o Homo naledi pudesse fazer gravações e cavar sepulturas, isso significaria que o tamanho do cérebro não é essencial para o pensamento complexo, disse Dietrich Stout, neurocientista da Universidade Emory, que não participou dos estudos.

"Acho que a questão interessante daqui para frente é para quê exatamente são necessários os cérebros grandes", disse Stout.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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