Descrição de chapéu África

Pesquisadores brasileiros recriam face do faraó Tutancâmon

Estudo confirma deformidades no rosto do famoso faraó egípcio

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Edison Veiga
Bled (Eslovênia)

Pouco mais de um século depois da descoberta de sua tumba, o misterioso faraó egípcio Tutancâmon (1341 a.C. - 1323 a.C.) acaba de ganhar uma nova reconstituição facial. Feita por uma equipe multidisciplinar da qual integram dois brasileiros, a imagem confere um aspecto realista ao personagem histórico e confirma pesquisas anteriores que apontavam deformidades no seu rosto.

O material será publicado neste mês no periódico científico Italian Journal of Anatomy and Embryology, jornal oficial da Sociedade Italiana de Anatomia e Histologia.

"Os resultados sugerem prognatismo maxilar e retrognatismo mandibular", diz o texto, em sua conclusão. Em outras palavras, Tutancâmon tinha uma aparência marcada pelo queixo muito retraído e pelo lado superior da boca avantajado, o que dava a ele uma aparência de narigudo.

Os resultados sugerem que Tutancâmon tinha uma aparência marcada pelo queixo muito retraído e pelo lado superior da boca avantajado, o que dava a ele uma aparência de narigudo
À esquerda, a reprodução real das feições do faraó Tutancâmon de acordo com os dados coletados; à direita, a versão especulada, com detalhes e cores a partir de dados históricos já estudados - Cicero Moraes/ Creative Commons

Entre os cinco autores do trabalho, uma equipe multidisciplinar formada por pesquisadores do Forensic Anthropology, Paleopathology and Bioarchaeology Research Center Acta Palaeomedica, da Sicília, Itália; do projeto Arc-Team Brazil; da Universidade Flinders, em Adelaide, Austrália; e da Universidade Federal de Uberlândia estão dois brasileiros.

São eles o designer 3D Cicero Moraes, que contabiliza cerca de cem reconstituições faciais de personagens religiosos e históricos, e o dentista Thiago Beaini, professor de Odontologia Legal na instituição de ensino de Uberlândia.

Em conversa com a Folha, Moraes explica que o trabalho, tecnicamente, é qualificado como "uma aproximação facial baseada em dados estatísticos e anatômicos". "O máximo que podemos entregar no caso do Tutancâmon é um busto com os olhos fechados, em escala de cinza e sem pelos. Tais dados são mais plausíveis, pois se trata de algo abordado nas projeções bi e tridimensionais, ou seja, é a parte mais objetiva do trabalho", diz ele.

"Apesar de ser mais coerente com os dados, a versão objetiva não é muito agradável aos olhos do público geral e como este é um projeto histórico, que será apresentado ao grande público, optamos pela geração de imagens com dados mais especulativos como a pele pigmentada, pelos faciais e maquiagem segundo dados históricos já publicados", completa o designer.

Ressaltando que há outras versões de trabalhos semelhantes já realizados, o dentista Beaini lembra que "a técnica digital, melhorada pelo Cicero Moraes em muitos aspectos, permite captar modelos de crânios compatíveis sobre os registros de crânios que estão somente disponíveis em museus".

Interesse pelo atípico

Moraes conta que a vontade de estudar a fisionomia do famoso faraó foi motivada pela propalada deformidade facial. "Estou desenvolvendo uma mostra de aproximações digitais de pessoas com crânios atípicos e doenças ósseas e faciais, e o Egito apareceu entre os assuntos estudados", comenta.

Conforme os pesquisadores dizem no artigo e outras pesquisas anteriores também relatam, acredita-se que o costume de casamentos entre irmãos ou parentes muito próximos na dinastia a que pertenceu Tutancâmon tenha feito com que muitos dos seus integrantes tenham nascido com deformações e desenvolvido doenças graves.

Tutancâmon, por exemplo, foi fruto do relacionamento de seu pai com a irmã dele. Ele próprio teria se casado com uma meia-irmã, com quem teve duas filhas — nenhuma sobreviveu à infância. Estudos anteriores relatam que uma das filhas nasceu prematuramente, com cinco ou seis meses de gestação, e não sobreviveu ao parto. A outra tinha espinha bífida, escoliose e deformidade de Sprengel.

Estudos anteriores indicavam que o faraó tinha deformações faciais —confirmadas no trabalho de Moraes e equipe —, além de escoliose, deformações no pé esquerdo, entre outros problemas, como provavelmente doença óssea de Köhler. Possivelmente ele tenha contraído malária, já que mais de uma cepa do parasita transmissor da doença foram encontradas em sua tumba.

Como o trabalho foi realizado

A equipe se baseou em estudos anteriores, inclusive imagens realizadas dos restos mortais do faraó. E contou com a ajuda das ferramentas tecnológicas mais contemporâneas, é claro.

A tumba de Tutancâmon foi descoberta em 1922 pelo arqueólogo britânico Howard Carter (1874-1939). Sua máscara mortuária logo se tornou um símbolo pop. Conforme cronologia esmiuçada no artigo científico, "somente em 1968 foram feitas as primeiras imagens de raios-X nesse corpo".

Em 2005, os restos mortais do faraó foram submetidos a um detalhado exame de tomografia computadorizada. Cinco anos mais tarde, foi feito um exame de DNA, que trouxe novas informações sobre a saúde e os laços familiares do nobre egípcio.

Moraes relata que esse contexto foi apropriado por seu trabalho, mas o método utilizado para a aproximação facial foi aquele já consagrado por ele em outros estudos. "Distribuímos [sobre o crânio] uma série de projeções e proporções que fornecem o tamanho dos lábios, a posição dos globos oculares, a altura das orelhas, o tamanho frontal do nariz e algumas informações sobre as dimensões esperadas para a parte inferior do crânio", diz.

"Todas essas projeções são baseadas em estudos estatísticos que foram efetuados em indivíduos vivos de várias ancestralidades diferentes", detalha. "Tendo os dados frontais, partimos então para o traçado do perfil da face, que fazemos através de uma combinação de marcadores de espessura de tecido mole, que informam os limites da pele, baseados em um estudo efetuado em egípcios modernos com medição por ultrassom e complementamos com o traçado do nariz, projetado com dados extraídos de estudos desenvolvidos pela nossa própria equipe, também com medições em tomografias computadorizadas."

"Ainda contamos com mais um elemento de auxílio, que é a deformação anatômica. Tal tecnologia consiste em utilizar o crânio e o tecido mole de um doador virtual que é ajustado até que o crânio do doador se converta ao crânio do Tutancâmon, fazendo com que a pele acompanhe a deformação, resultando em uma face compatível com o indivíduo aproximado", acrescenta. "Finalizamos o processo gerando duas versões da face, uma objetiva e uma mais especulativa."

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