Fósseis moleculares abrem janela para o 'mundo perdido' da vida primordial

Pesquisadores identificam uma forma rudimentar de esteroide em rochas que datam de cerca de 1,6 bilhão de anos

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Will Dunham
Washington | Reuters

Restos fósseis de um componente de membrana celular identificado em rochas que datam de cerca de 1,6 bilhão de anos estão abrindo uma janela para o que os cientistas chamam de "mundo perdido" de organismos microscópicos que foram os precursores primordiais dos fungos, algas, plantas e animais da Terra —incluindo humanos.

Esses restos, disseram os pesquisadores na quarta-feira (7), datam de um período de tempo durante o que é chamado de éon Proterozoico, que foi crucial na evolução da vida complexa, mas ficou envolto em mistério por causa de um registro fóssil irregular dos organismos microscópicos que habitavam o reino marinho da Terra.

Os fósseis recém-identificados são de uma forma rudimentar de esteroide —molécula de gordura que era um ingrediente indispensável nas membranas celulares de membros pioneiros de um reino de organismos hoje dominantes chamados eucariotas. Os eucariotas possuem uma estrutura celular complexa, incluindo um núcleo que atua como centro de comando e controle e estruturas subcelulares chamadas mitocôndrias, que alimentam a célula.

O professor Jochen Brocks inspeciona sedimentos de 1,64 bilhão de anos em busca de moléculas eucariotas em Barney Creek, norte da Austrália
O professor Jochen Brocks inspeciona sedimentos de 1,64 bilhão de anos em busca de moléculas eucariotas em Barney Creek, norte da Austrália - Universidade Nacional Australiana/via Reuters

Eles eram "penetras" em um mundo repleto de bactérias —organismos unicelulares mais simples, sem núcleos. Hoje os eucariotas incluem fungos, algas, plantas e animais, mas nenhum deles tinha evoluído ainda.

Os fósseis recém-descritos não incluem o corpo real dos organismos, mas sim seus remanescentes moleculares, deixando incerto seu tamanho, aparência, comportamento e complexidade —inclusive se eram todos unicelulares ou alguns eram multicelulares. "Não temos ideia", disse o geobiólogo Jochen Brocks, da Universidade Nacional Australiana em Canberra, principal autor do estudo publicado na revista Nature.

Os pesquisadores suspeitam que eles não eram mansos.

"Apesar de seu tamanho pequeno, eles podem ter incluído predadores ferozes que se alimentavam de bactérias menores ou talvez até de outros eucariotas", disse o geobiólogo e coautor do estudo Benjamin Nettersheim, da Universidade de Bremen, na Alemanha.

Existem alguns fósseis de "corpos" de eucariotas primitivos que datam de mais de 1,6 bilhão de anos, mas sua escassez em comparação com os restos bacterianos abundantes daquela época sugere que eles eram pequenos atores em um drama maior. Os pesquisadores descobriram que os fósseis moleculares que indicam a presença desses eucariotas primitivos eram comuns em rochas de cerca de 1,6 bilhão de anos a 800 milhões de anos atrás.

O geobiólogo Jochen Brocks sobre as rochas onde foram encontradas as células eucariotas
O geobiólogo Jochen Brocks diz que os fósseis não incluem o corpo real dos organismos, mas sim seus remanescentes moleculares, deixando incerto seu tamanho, aparência, comportamento e complexidade - Universidade Nacional Australiana/via Reuters

"É um mundo perdido no sentido de que não fomos capazes de vê-los ou detectá-los —embora houvesse um mundo inteiro deles. Eles não eram raros e duraram centenas de milhões de anos", disse Brocks.

É um mundo perdido também porque essas formas estão totalmente extintas, acrescentou Brocks. Seu desaparecimento abriu caminho para formas eucarióticas modernas se espalharem, há cerca de 800 milhões de anos. Para colocar em perspectiva esses intervalos de tempo, nossa espécie eucariótica, o Homo sapiens, surgiu há cerca de 300 mil anos.

Quando os eucariotas primitivos existiam, as extensões terrestres da Terra eram rochas estéreis, enquanto grandes partes do fundo do mar estavam cobertas por espessos tapetes microbianos e as águas oceânicas sofriam incursões de gás tóxico de sulfeto de hidrogênio, com cheiro de ovo podre.

Até agora, pensava-se que esses oceanos fossem em grande parte um caldo bacteriano, com eucariotas raros ou restritos a habitats marginais, como costas ou rios. As moléculas de esteroides fósseis encontradas aprisionadas em rochas sedimentares depositadas em antigos fundos marinhos revelam que os eucariotas foram surpreendentemente abundantes.

A mais antiga das rochas com esses fósseis foi desenterrada no remoto Outback do norte da Austrália, perto de Darwin.

Os cientistas ficaram intrigados durante muito tempo com a aparente ausência de fósseis moleculares desse período de tempo indicativos de eucariotas primitivos. Acontece que eles estavam procurando por esteroides mais avançados biologicamente do que esses organismos possuíam.

O bioquímico Konrad Block, que ganhou o Prêmio Nobel em 1964 e morreu em 2000, havia levantado a hipótese de que os eucariotas primordiais produzissem esteroides igualmente primitivos, mas duvidava que algum dia fossem descobertos.

"Gostaria de poder dizer a ele que os encontramos", disse Brocks.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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