Como o peixe de água doce mais pesado já pescado pode ajudar a salvar um rio

Pesquisadores vêm rastreando os movimentos da arraia gigante Boramy para tentar proteger espécie

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Rachel Nuwer
The New York Times

Pesquisadores podem ter encontrado a resposta de um grande enigma que cerca um peixe de grandes dimensões.

Em todo o mundo, os peixes de água doce enfrentam problemas. Isso se aplica particularmente às espécies grandes. Mas um episódio recente surpreendeu cientistas: no ano passado, pescadores cambojanos tiraram uma arraia gigante do rio Mekong. A arraia, que era fêmea, pesava em torno de 300 quilos e bateu um recorde, tornando-se o peixe de água doce mais pesado já pescado.

A descoberta foi surpreendente porque a espécie, conhecida como a arraia gigante de água doce, é classificada como ameaçada de extinção. Mas aqui estava uma prova de que, não se sabe bem como, ainda restam alguns exemplares enormes.

"Imagine uma era em que as populações de baleias estão em declínio —os números estão diminuindo drasticamente, as baleias estão ficando menores e raramente são avistadas— e, então, de repente, aparece uma Moby Dick", disse o ecologista aquático Zeb Hogan, da Universidade de Nevada em Reno. "É uma descoberta espantosa e abre a porta a inúmeras perguntas."

Sete pessoas cercam a arraia gigante capturada no rio Mekong, no Camboja, pesando 300 kg e medindo 3,96 metros
A arraia gigante capturada no rio Mekong, no Camboja, pesando 300 kg e medindo 3,96 metros - Chhut Chheana via NYT

Quase um terço dos peixes de água doce em todo o mundo corre perigo de extinção. Desde 1970, 94% das espécies maiores —as que pesam mais de 30 quilos— vêm diminuindo, descobriram pesquisadores.

No rio Mekong, todos os outros peixes grandes estão prestes a desaparecer. "Então, como é possível que o maior peixe de água doce do mundo persista?", perguntou Hogan. "E o que podemos aprender sobre ele que nos ajude a salvar o sistema do rio Mekong como um todo?"

Cientistas cambojanos batizaram a arraia recordista de Boramy, que significa lua cheia na língua khmer, devido à sua forma redonda e à fase lunar do dia em que ela foi capturada. Antes de libertá-la de volta na água, em junho do ano passado, pesquisadores americanos implantaram um marcador de telemetria acústica perto de sua cauda. As arraias gigantes não são agressivas, mas os cientistas tiveram que trabalhar com muito cuidado. A cauda da arraia tem uma farpa venenosa que pode ter quase 30 centímetros de comprimento e é capaz de perfurar ossos.

Desde então, os pesquisadores vêm rastreando os movimentos de Boramy como parte do projeto Maravilhas do Mekong, que visa a conservar o patrimônio econômico, ecológico e cultural do Baixo Mekong, um trecho do rio que é essencial para a subsistência de cerca de 50 milhões de pessoas.

Eles descobriram que uma das chaves da forma física robusta de Boramy pode ser o fato de que ela tende a não se afastar muito de seu território próprio.

Segundo descobertas publicadas em maio no periódico Water, seu território é surpreendentemente pequeno para um peixe de tamanho tão grande. Abrange apenas alguns quilômetros em um trecho do rio conhecido por suas áreas profundas, alto número de espécies que o habitam e sua população de golfinhos-do-irrawaddy, ameaçados de extinção.

A área está sendo considerada para ser designada Patrimônio Mundial da Unesco, o que a levaria a receber a proteção do governo cambojano. Mas também estão sendo propostos vários grandes projetos hidrelétricos na região, que exigiriam a construção de barragens enormes.

O rio Mekong como um todo está cada vez mais ameaçado por barragens, além da pesca excessiva, a extração de areia, a poluição e a mudança climática.

A tendência de Boramy de viver em uma área restrita forma um contraste marcante com outras espécies grandes do rio, como o peixe-gato-gigante, que pode migrar mil quilômetros ou mais para desovar e se alimentar. E a preferência de Boramy por viver em um território pequeno provavelmente se aplica às arraias gigantes de água doce de modo geral, segundo outro estudo de Hogan e coautores publicado em junho.

Usando telemetria acústica, os pesquisadores rastrearam 22 arraias gigantes de água doce em um trecho do Mekong na Tailândia e verificaram que muitas delas também se limitavam a circular por áreas relativamente pequenas, de alguns poucos quilômetros de extensão.

"Isso nos surpreendeu bastante. Imaginávamos que elas deveriam migrar", afirmou Chayanis Daochai, veterinário aquático da Universidade Chulalongkorn em Bancoc e coautor do estudo publicado em junho.

Os pesquisadores na Tailândia também observaram que arraias gigantes machos e fêmeas de todas as idades tendiam a viver juntas —outra descoberta que difere nitidamente dos hábitos de outros megapeixes do Mekong, que geralmente passam partes da vida em seções diferentes do rio.

Para Hogan, vistas em conjunto, essas descobertas podem ajudar a explicar por que as arraias gigantes de água doce ainda não correm perigo tão grande quanto outras espécies grandes do rio Mekong. Como elas não precisam migrar por longas distâncias como parte de seu ciclo de vida, podem subsistir em lugares onde a qualidade da água ainda é boa e as comunidades locais estão engajadas com a conservação.

Em julho, Hogan e seus colegas publicaram evidências adicionais indicando que arraias gigantes ainda são capturadas regularmente no Mekong e outros rios asiáticos. E mais: pescadores em toda a área habitada pela espécie vêm informando ter encontrado arraias gigantes pesando cem quilos ou mais.

"Dados os perigos onipresentes e sistêmicos enfrentados pelos megapeixes como grupo, parece que existe um caminho menos intransponível para salvar as arraias gigantes de água doce", disse Hogan. "E os esforços para protegê-la podem beneficiar também essas outras espécies ameaçadas de extinção."

Tradução de Clara Allain

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