Duelo entre as duas principais teorias da consciência sai sem vencedor

Cientistas revelaram os resultados de experimentos testando como nossos cérebros dão origem ao pensamento consciente e encerraram uma aposta de 25 anos

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Carl Zimmer
The New York Times

Em uma noite abafada de junho na cidade de Nova York, mais de 800 neurocientistas, filósofos e curiosos lotaram um auditório. Eles estavam em busca dos primeiros resultados de uma investigação ambiciosa sobre uma questão profunda: o que é a consciência?

Para começar, dois amigos —o filósofo David Chalmers e o neurocientista Christof Koch— subiram ao palco para relembrar uma velha aposta. Em junho de 1998, eles foram a uma conferência em Bremen, na Alemanha, e certa noite acabaram conversando até tarde num bar sobre a natureza da consciência.

Durante anos, Koch colaborou com Francis Crick, biólogo que dividiu o Prêmio Nobel por descobrir a estrutura do DNA, na busca pelo que eles chamavam de "correlato neural da consciência". Eles acreditavam que toda experiência consciente que temos —contemplar uma pintura, por exemplo— está associada à atividade de certos neurônios essenciais para a consciência que vem com ela.

Ilustração de duas cabeças se olhando com um brilho no centro
Peace,love,happiness por Pixabay

Chalmers gostou do conceito, mas estava cético quanto à possibilidade de encontrar tal marcador neural tão cedo. Os cientistas ainda tinham muito a aprender sobre a consciência e o cérebro, pensou ele, antes que pudessem ter uma esperança razoável de encontrá-lo.

Koch apostou que os cientistas encontrariam um correlato neural da consciência dentro de 25 anos. Chalmers aceitou a aposta. O prêmio seria algumas garrafas de um bom vinho.

Relembrando a aposta no palco do auditório, Koch admitiu que foi instigada por bebidas e entusiasmo.

"Quando você é jovem, precisa acreditar que as coisas serão simples", disse ele.

Muita coisa aconteceu ao longo do quarto de século subsequente. Neurocientistas e engenheiros inventaram novas ferramentas poderosas para sondar o cérebro, levando a uma explosão de experimentos reveladores sobre a consciência. Alguns cientistas usaram varreduras cerebrais para detectar sinais de consciência em pessoas diagnosticadas como em estado vegetativo, por exemplo, enquanto outros usaram ondas cerebrais para determinar quando as pessoas ficam inconscientes sob anestesia.

Esses experimentos promoveram uma explosão de novas teorias. Para reduzi-las, a Templeton World Charity Foundation começou a apoiar estudos em larga escala que colocam diferentes pares de teorias em um teste frente a frente, num processo chamado colaboração contraditória.

E no mês passado os pesquisadores no evento em Nova York revelaram os resultados do primeiro teste da fundação, uma combinação de duas das teorias mais proeminentes.

A primeira, conhecida como Teoria do Espaço de Trabalho Global, sustenta que a consciência é um subproduto da maneira como processamos informações. Os neurocientistas sabem há muito tempo que a maioria dos sinais que vêm de nossos sentidos não chegam à nossa consciência. Experimentos liderados por Stanislas Dehaene, um neurocientista cognitivo do Collège de France em Paris, sugerem que nos tornamos conscientes apenas de sinais que chegam ao córtex pré-frontal, uma região na frente do cérebro. Dehaene argumentou que um conjunto especial de neurônios pode transmitir rapidamente as informações por grande parte do cérebro, gerando consciência.

"A consciência é a disponibilidade total de informações", disse Dehaene.

Mapa do cérebro mostrando a colocação de eletrodos intracranianos em um único paciente para um experimento realizado pelo Consórcio Cogitate usando magnetoencefalografia, que lê os campos magnéticos no cérebro
Mapa do cérebro mostrando a colocação de eletrodos intracranianos em um único paciente para um experimento realizado pelo Consórcio Cogitate usando magnetoencefalografia, que lê os campos magnéticos no cérebro - Alex Lepauvre, Simon Henin via NYT

Melanie Boly, neurologista da Universidade de Wisconsin, subiu ao palco para explicar o outro concorrente: a Teoria da Informação Integrada.

O que torna a consciência especial, argumentou Boly, é a maneira como ela consegue parecer ao mesmo tempo rica e unificada ao longo do tempo. Os cérebros podem produzir esse fenômeno graças à maneira como os neurônios são organizados, disse ela. Grupos deles podem processar informações de maneiras específicas —identificando as cores ou contornos de uma imagem, por exemplo. Mas os elos de longo alcance entre esses grupos também permitem que eles transmitam informações.

Em 2017, Koch, então trabalhando no Allen Institute em Seattle, convidou uma dezena de especialistas para planejarem experimentos que testariam as duas teorias comparando uma com a outra. Chalmers também veio da Universidade de Nova York para fornecer rigor filosófico. Eles concordaram antecipadamente sobre o que os resultados de cada experimento significariam para cada teoria. E os experimentos seriam conduzidos por cientistas independentes que não fizeram pressão por nenhuma das teorias.

O Consórcio Cogitate, como a equipe se autodenominou, precisou de dois anos para preparar o experimento, mas ele foi interrompido pela pandemia de coronavírus. Em maio de 2022, os pesquisadores puderam começar a coletar dados.

Eles pediram a 256 voluntários que olhassem para uma série de rostos, letras e formas e então pressionassem um botão sob certas condições —se a imagem fosse um rosto, por exemplo, ou o rosto de uma determinada pessoa.

Alguns dos voluntários realizaram as tarefas em um scanner cerebral fMRI, que mede o fluxo de sangue oxigenado no cérebro. Outros foram observados com magnetoencefalografia, que lê campos magnéticos no cérebro. Os pesquisadores também encontraram voluntários que se preparavam para se submeter a cirurgia cerebral para epilepsia. Eles foram testados com implantes inseridos diretamente nos cérebros.

Os pesquisadores procuraram padrões cerebrais comuns que surgiam sempre que os voluntários tinham a experiência consciente de ver um objeto —independentemente do que viam, qual era sua tarefa ou qual tecnologia registrava sua atividade.

As duas teorias fizeram previsões diferentes sobre quais padrões os cientistas veriam. De acordo com a Teoria do Espaço de Trabalho Global, o sinal mais claro viria do córtex pré-frontal porque ele transmite informações pelo cérebro. A Teoria da Informação Integrada, por outro lado, previu que as regiões com as conexões mais complexas —aquelas na parte posterior do cérebro— seriam as mais ativas.

Imagem mostra os resultados de voluntários em experimentos nos quais realizaram tarefas de identificação de rostos e objetos em um scanner cerebral de ressonância magnética funcional (fMRI), que mede o fluxo de sangue oxigenado no cérebro
Imagem mostra os resultados de voluntários em experimentos nos quais realizaram tarefas de identificação de rostos e objetos em um scanner cerebral de ressonância magnética funcional (fMRI), que mede o fluxo de sangue oxigenado no cérebro - Aya Khalaf via NYT

O momento da atividade também poderia apontar para uma teoria ou outra. A Teoria do Espaço de Trabalho Global previa que o córtex pré-frontal enviaria apenas pequenas rajadas de informações: uma quando uma imagem aparecesse pela primeira vez e outra quando ela desaparecesse. Mas a Teoria da Informação Integrada previa que a parte de trás do cérebro estaria continuamente ativa durante todo o tempo em que os voluntários percebessem um objeto.

Lucia Melloni, neurocientista do Instituto Max Planck de Estética Empírica, na Alemanha, que ajudou a conduzir os experimentos, subiu ao palco para apresentar os resultados, com imagens de cérebros salpicados de vermelho, azul e verde projetadas numa tela gigante.

Melloni explicou que em alguns testes havia um vencedor claro e um perdedor claro. A atividade na parte posterior do cérebro durou todo o tempo em que os voluntários viram um objeto, por exemplo. Um ponto para a Teoria da Informação Integrada. Mas em outros testes as previsões da Teoria do Espaço de Trabalho Global foram confirmadas.

"O experimento atual basta para mostrar que nenhuma das teorias é atualmente suficiente", disse Anil Seth, neurocientista da Universidade de Sussex, na Inglaterra.

Mas a aposta de 25 anos, pelo menos, foi resolvida: ninguém encontrou um correlato neural claro da consciência. Koch encerrou a noite levando para o palco uma caixa de madeira cheia de vinho. Ele pegou uma garrafa de Madeira safra 1978 e a deu a Chalmers.

Depois desafiou o amigo para uma nova aposta, desta vez o dobro ou nada: um marcador cerebral da consciência até 2048.

Chalmers instantaneamente aceitou o desafio, apesar das chances questionáveis de que os dois ainda estejam vivos para ver o resultado.

"Espero perder", disse. "Mas desconfio que ganharei."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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