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Sensível demais: você é um pai ou mãe 'orquídea'?

Os pesquisadores estão descobrindo os traços de personalidade ocultos que podem moldar nossa vida familiar.

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Melissa Hogenboom
BBC News Brasil

Pergunte a qualquer pai ou mãe de filhos pequenos se eles já se sentiram sobrecarregados e a resposta provavelmente será "sim".

Mesmo nos lares mais tranquilos, pode haver dias em que o barulho, a bagunça e o caos parecem sair de controle, deixando os pais exaustos e irritados. Afinal, os bebês não têm botão de desligar, nem controle de volume.

Por mais comum que seja este sentimento, existe uma característica de personalidade que pode fazer a vida familiar parecer mais sufocante para alguns pais do que para outros.

Homem segura criança enquanto trabalha
Traços de personalidade podem moldar a vida familiar, dizem pesquisadores - Getty Images

Um estudo de 2018 concluiu que cerca de 20% a 30% da população é considerada altamente sensível —característica que vem ganhando maior reconhecimento pelos cientistas e pelo público em geral.

A sensibilidade pode referir-se a sons, odores ou visões. Seus portadores podem, por exemplo, ter dificuldade para lidar com luzes brilhantes e alto volume de ruído e considerar as situações caóticas muito estressantes.

Essa característica pode também causar maior consciência do humor ou dos sentimentos de outras pessoas, trazendo uma sensação de empatia particularmente forte. E, se acrescentarmos as exigências causadas pela criação de filhos, a combinação certamente parece ser desastrosa.

Além da sobrecarga sensorial e emocional diária, os pais e mães altamente sensíveis podem enfrentar mais um desafio: cuidar de filhos que também são altamente sensíveis —estima-se que esta característica seja hereditária em 475 dos casos.

Mas, felizmente, ela também traz algumas vantagens, como indicam as pesquisas. E, para as pessoas afetadas, aprender a compreender essas nuances pode ajudá-las a transformar a criação dos filhos em uma experiência mais alegre e enriquecedora, sem que fiquem sobrecarregadas.

Família faz refeição junto
A vida em família pode ser esmagadora para alguns pais ou mães - Getty Images

Características da alta sensibilidade

A primeira etapa provavelmente é descobrir se você é altamente sensível. Para isso, uma equipe de psicólogos de diferentes universidades que estuda a sensibilidade humana desenvolveu um teste online gratuito (em inglês).

Basicamente, ser altamente sensível não é um distúrbio, mas uma característica de personalidade —uma forma específica de reagir ao ambiente. Particularmente, as pessoas altamente sensíveis costumam apresentar reações muito fortes a estímulos sensoriais, uma característica conhecida como sensibilidade de processamento sensorial.

"Geralmente, as pessoas sensíveis possuem percepção mais alta, elas percebem mais detalhes", explica o psicólogo do desenvolvimento Michael Pluess, da Universidade Queen Mary de Londres, especializado no estudo de pessoas altamente sensíveis e que participou do desenvolvimento do teste.

"Elas irão detectar o humor das outras pessoas e ter maior empatia. Elas também processam as coisas com mais profundidade, de forma que perceberão mais coisas sobre o ambiente", explica Pluess.

Ou seja, elas têm a tendência de ruminar sobre suas experiências e podem ser profundamente afetadas pelo que veem e sentem (o que explica por que não consigo assistir filmes de terror).

Ser altamente sensível envolve uma reação cerebral a certos eventos ou experiências que é mensuravelmente diferente das pessoas menos sensíveis.

Em um estudo, os pesquisadores pediram a um grupo de pessoas recrutadas aleatoriamente que fizesse um teste de alta sensibilidade —um conjunto de questionários similar ao teste online— e exibiram fotografias de pessoas alegres e tristes, monitorando sua atividade cerebral por meio de imagens de ressonância magnética funcional.

As pessoas altamente sensíveis do grupo, com altas avaliações no teste, demonstraram ativação mais forte de regiões do cérebro relacionadas à consciência e à empatia, em comparação com os participantes menos sensíveis.

Outros estudos exibiram padrões similares em pessoas com sensibilidade de processamento sensorial, que exibem ativação cerebral especialmente forte nas regiões relacionadas à empatia do pensamento reflexico.

Pluess acrescenta que esta tendência de processar profundamente as informações pode fazer com que as pessoas altamente sensíveis sejam excessivamente estimuladas com facilidade.

Eu me identifico um pouco com esta questão.

Eu hesito ao ouvir sobre o enredo de um filme macabro. E assistir está fora de questão.

Posso sentir dores físicas em um ambiente barulhento quando a acústica é ruim. No metrô de Londres, com seus ruídos estridentes, preciso tampar meus ouvidos —e me pergunto, muitas vezes, por que mais ninguém faz isso.

Essa sensibilidade ao ruído é uma característica típica de ser altamente sensível e pode fazer com que a criação dos filhos seja especialmente difícil.

Quando meus filhos gritam, sinto às vezes como se minha cabeça estivesse explodindo. Para atender às necessidades deles e confortá-los, preciso aprender a desligar esta sensação.

É claro que isso é mais fácil quando estou descansada. Mas, infelizmente, os pais costumam sofrer interrupções do sono, pelo menos nos primeiros anos dos seus filhos.

Casal conversa numa sala; homem tem uma criança no colo
Pessoas altamente sensíveis são comparadas a orquídeas, que precisam de condições específicas para sobreviver - Getty Images

Desvantagens e benefícios

As dificuldades enfrentadas pelos pais altamente sensíveis —incluindo o estresse e o excesso de estímulos em ambientes caóticos— podem interferir na "alta qualidade de criação dos filhos" segundo Pluess.

Pesquisas demonstraram que, nos estágios iniciais da criação dos filhos, os pais altamente sensíveis relatam maior estresse e costumam achar a paternidade algo mais difícil do que os demais. Mas eles também relatam melhor sintonia com seus filhos— uma boa notícia, que coincide com outras descobertas sobre pessoas altamente sensíveis que exibem níveis particularmente fortes de empatia.

Estão também surgindo evidências de que o aumento do estresse entre os pais altamente sensíveis pode ter vida curta.

Um estudo piloto que deve ser apresentado na Conferência Europeia sobre Psicologia do Desenvolvimento, em agosto deste ano, concluiu que, embora os pais altamente sensíveis sofram inicialmente altos níveis de estresse, eles demonstram estilos de criação de filhos melhores do que os pais com baixa sensibilidade quando seus bebês atingem nove meses de idade.

A responsável pelo estudo foi a pesquisadora Francesca Lionetti, da Universidade G. d'Annunzio em Chieti-Pescara, na Itália. Ela descobriu que havia um outro fator envolvido. Experiências negativas na infância influenciaram a reação das pessoas altamente sensíveis à criação dos filhos.

"Se elas tivessem sofrido rejeição [dos seus pais quando crianças], elas relatavam mais estresse e eram mais invasivas nas suas interações entre pai/mãe e filho", explica ela.

Lionetti destaca que "ser um pai ou mãe altamente sensível não precisa ser algo negativo". Ter atenção aos detalhes, por exemplo, pode ser um fator positivo na criação dos filhos.

No estudo, ela descobriu que, para os pais sensíveis, maior atenção aos seus próprios sinais respiratórios está relacionada à criação de filhos mais positiva.

"Isso está relacionado ao fato de que [as pessoas altamente sensíveis] processam mais profundamente o que está acontecendo dentro do seu corpo", explica Lionetti.

Estas conclusões também confirmam uma pesquisa em vias de publicação, que descobriu que, quando novos professores foram enviados para lecionar em ambientes difíceis, os profissionais mais sensíveis sofreram mais estresse e maior redução de bem-estar do que aqueles com baixa avaliação de sensibilidade.

Mas, depois que se acostumaram com seu ambiente, eles se recuperaram completamente.

"Parece que as pessoas sensíveis, a curto prazo, são mais facilmente sobrecarregadas pelas mudanças", explica Pluess. Mas, quando o assunto é a criação de filhos, ele afirma que os pais e mães altamente sensíveis, potencialmente, são excepcionais.

"Sua sensibilidade os ajuda a entender seu filho e reagir com maior rapidez e de forma mais adequada às necessidades da criança", segundo ele.

Duas mulheres conversam
As pessoas altamente sensíveis podem enfrentar dificuldades para lidar com certos sons ou imagens - Getty Images

Orquídeas X dentes-de-leão

É claro que a sobrecarga da criação dos filhos pode afetar qualquer pessoa, seja ela altamente sensível ou não. Por isso, algumas das estratégias de sobrevivência das pessoas altamente sensíveis, na verdade, podem beneficiar todos os pais e mães.

Uma delas é conhecer suas próprias reações e saber o que deixa você estressado ou relaxado. A autoconsciência nos permite aceitar o lado positivo e as dificuldades da criação dos filhos, segundo Pluess, e buscar formas de nos sentirmos calmos ou encontrar espaços silenciosos quando nos sentirmos sobrecarregados.

"As pessoas sensíveis parecem também se beneficiar do apoio da sociedade", afirma ele. Pesquisas demonstram que as pessoas altamente sensíveis reagem melhor a programas de prevenção de saúde mental que promovem a resiliência, enquanto crianças altamente sensíveis se beneficiam ainda mais do que as outras das intervenções de combate ao bullying.

As pessoas altamente sensíveis foram descritas como "orquídeas", que têm dificuldade de sobreviver se as condições não forem corretas, em oposição às pessoas do tipo "dente-de-leão", que conseguem crescer em qualquer ambiente.

É claro que todos nós precisamos de luz e calor e uma pessoa que parece ser um dente-de-leão pode ser apenas uma orquídea forçada a negar suas necessidades. Mas a metáfora pode ajudar a compreender que está tudo bem em tentar mudar um pouco o nosso ambiente, para podermos florescer.

Às vezes, a criação de filhos, na verdade, pode ajudar as pessoas a tornar suas vidas mais favoráveis às orquídeas. Na escola, por exemplo, minha filha tem "intervalos para o cérebro", quando os alunos da sua classe cantam para poderem descansar.

Ainda não tentei fazer toda a minha família se unir a mim para um intervalo para o cérebro com todos nós cantando, quando as coisas parecerem ficar fora de controle. Talvez seja caso de experimentar.

* Melissa Hogenboom é editora da BBC Reel e publicou recentemente seu livro "The MotherhoodComplex" ("O complexo da maternidade", em inglês). Sua conta no Twitter é @melissasuzanneh.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) na seção Family Tree do site BBC Future.

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