Universidade brasileira ajuda a desenvolver caçador de exoplanetas

Instrumento instalado em telescópio no Chile vai estudar estrelas menores que o Sol

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São Paulo

Um novo instrumento caçador de exoplanetas desenvolvido com importante participação brasileira acaba de entrar em operação no observatório de La Silla, no Chile.

Os pesquisadores esperam que o equipamento possa descobrir e caracterizar muitos mundos distantes, e talvez até mesmo detectar bioassinaturas —evidências de vida— na composição de sua atmosfera.

O projeto do Nirps (sigla para Near InfraRed Planet Searcher, ou "buscador de planetas no infravermelho próximo") começou a ser gestado em 2014, para atender a uma demanda do ESO (Observatório Europeu do Sul), maior órgão de pesquisa astronômica do mundo, que lançou uma chamada de propostas para novos instrumentos para o telescópio NTT, operado em La Silla.

Foi lá, por sinal, que a caça aos exoplanetas atingiu grande grau de maturidade, com boa parte do seu tempo de observação dedicado à atividade, sob a coordenação da equipe de Michel Mayor (premiado com o Nobel em 2019 pela descoberta do primeiro exoplaneta a orbitar em torno de uma estrela similar ao Sol, em 1995).

Esta fotografia mostra o instrumento Near InfraRed Planet Searcher (NIRPS) e seu sistema de óptica adaptativa, que está instalado no telescópio de 3,6 metros do ESO
O Nirps (Near InfraRed Planet Searcher) e seu sistema de óptica adaptativa. A luz coletada do telescópio é direcionada através de uma série de espelhos antes de ser injetada em uma fibra óptica - Nicolas Blind (Observatório de Genebra)/consórcio NIRPS/ESO

A técnica usada para detectar exoplanetas por lá é a do bamboleio gravitacional (tecnicamente conhecida como detecção da variação de velocidade radial). Em resumo, ela mede o quanto uma estrela oscila para lá e para cá conforme é atraída gravitacionalmente por planetas que giram ao seu redor. Isso é feito por meio de espectrógrafos, equipamentos que decompõem a luz em suas cores componentes e registram essa assinatura.

O Nirps é o mais novo desses espectrógrafos, e sua gênese está na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sob a coordenação do astrônomo Bernard Delabre, do ESO, então engenheiro-visitante, e com liderança local do astrônomo José Renan de Medeiros. "Foi aqui que iniciamos o desenho óptico do instrumento", diz o pesquisador brasileiro.

Quando o projeto nasceu, havia grande expectativa para que o Brasil se tornasse o primeiro país não europeu a aderir ao consórcio do ESO. O governo brasileiro havia assinado um acordo com a organização em 2010, mas os custos elevados travaram a ratificação por anos a fio.

Quando o projeto foi finalmente aprovado no Congresso, em 2015, foi meramente como "pauta-bomba" para a gestão de Dilma Rousseff (PT), que não tinha como pagar os custos. Até hoje o acordo não foi sancionado pela Presidência para que pudesse entrar em vigor.

"A ideia inicial era construir o Nirps no Brasil", diz Medeiros. "Infelizmente, a falta de definição do acordo Brasil-ESO impossibilitou a concretização da construção do instrumento aqui na UFRN."

Em vez disso, Medeiros e Claudio Melo (astrônomo potiguar trabalhando diretamente no ESO) foram atrás de parcerias internacionais. Em 2017, formaram então um consórcio com universidades do Canadá e da Europa, além da própria UFRN.

"Seis anos depois, o resultado está aí: o Nirps foi construído e está em operação no telescópio de 3,6 metros do ESO em La Silla", diz Medeiros.

Jogando em dupla

Um dos aspectos mais interessantes do Nirps é que ele trabalhará boa parte do tempo fazendo dupla com o Harps, outro espectrógrafo em La Silla e responsável pela descoberta de muitos exoplanetas desde 2003.

O Harps opera na observação de luz visível; já o Nirps trabalhará com infravermelho, "o que possibilitará a observação de um número muito maior de estrelas", destaca Medeiros.

A ambição é que o novo instrumento —totalmente dedicado ao estudo de exoplanetas— atinja precisão suficiente para medir variações de velocidade no bamboleio das estrelas de 1 m/s.

Porém, é o suficiente para se concentrar em planetas rochosos como o nosso frequentando a chamada zona habitável de estrelas bem menores, mais frias e mais comuns que o Sol, as chamadas anãs vermelhas.

A zona habitável é a região em torno de uma estrela cuja incidência de radiação permite que um planeta de tipo terrestre mantenha água em estado líquido de forma estável em sua superfície —condição essencial para a vida (ao menos nas formas que conhecemos).

Dito de outra maneira, é a faixa "nem muito quente, nem muito fria" em torno de uma estrela. Para a Terra, estar na zona habitável significa ter uma órbita relativamente longa, que o planeta leva 365 dias para percorrer. Já para planetas em torno de anãs vermelhas, um período orbital típico de planeta na zona habitável seria de umas poucas semanas, no máximo. A órbita mais modesta implica uma variação de velocidade radial maior, o que facilita a detecção.

A construção do Nirps custou cerca de 10 milhões de euros (R$ 52,7 milhões), 60% bancados pelas universidades de Montreal e de Genebra, e sua vida útil inicial é estimada em uma década.

Instrumento pode ser usado para buscar vida em exoplanetas

O mais empolgante aspecto no desenvolvimento do Nirps é a perspectiva de que ele sirva para tentar detectar sinais de atividade biológica em algum desses exoplanetas.

A ideia é usar o espectrógrafo para captar a luz que parte da estrela e passa de raspão pela atmosfera do planeta conforme ele realiza um trânsito à frente dela. A assinatura luminosa, com isso, portaria sinais da composição das moléculas que encontrou pelo caminho.

"O Nirps terá um grande trunfo, programado para o segundo ou terceiro ano de operações, que é a utilização de um pente de frequências laser, em desenvolvimento pelo próprio consórcio", revela Medeiros. "Isso oferecerá a possibilidade de atingir precisões que até o momento não foram alcançadas por outros instrumentos."

De acordo com ele, a oportunidade de observação continuada e o uso do pente de frequências laser devem proporcionar o nível de sensibilidade esperado para uma busca eficaz de bioassinaturas, especialmente de moléculas complexas (que só poderiam ser produzidas por vida, e não por outros processos geológicos).

E o mais empolgante é que pesquisadores brasileiros terão acesso prioritário aos dados e trabalharão nas descobertas feitas pelo consórcio responsável pelo instrumento. "É a primeira vez que o Brasil participa da construção de um instrumento de ponta para o ESO e a primeira vez que uma equipe brasileira participa de um programa com tempo garantido de telescópio dedicado à busca por exoplanetas", destaca o pesquisador da UFRN.

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