Símbolo da luta de cientistas brasileiros contra o tráfico internacional de fósseis, o dinossauro Ubirajara jubatus —que passou quase três décadas na Alemanha após ter sido tirado do Brasil de forma irregular— ganhou uma cerimônia especial para marcar sua repatriação e devolução à região de origem.
A volta ao Brasil aconteceu após uma mobilização inédita de paleontólogos nacionais, que usaram as redes sociais como instrumento de pressão. A campanha #UbirajaraBelongsToBR teve grande repercussão também no exterior e deu visibilidade para os danos do comércio irregular do patrimônio fossilífero brasileiro.
Embora esta não tenha sido a primeira repatriação de um fóssil brasileiro levado irregularmente para outro país, o caso do Ubirajara jubatus foi tratado de forma diferenciada.
Não por acaso, sua cerimônia de devolução também ganhou proporções também pouco habituais.
Realizado em Brasília na tarde desta segunda (12), o evento foi liderado pela ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, e contou com a presença de representantes do governo alemão, do governador do Ceará, Elmano de Freitas, além de outras autoridades. O evento foi transmitido pela internet e pelos canais oficiais do governo.
Em entrevista à Folha antes da cerimônia, o secretário de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social do MCTI, Inácio Arruda, destacou o engajamento dos cientistas.
"Foi fundamental [a campanha], porque permitiu a Alemanha reconhecesse que estava com um patrimônio que pertencia a outra nação. A movimentação dos pesquisadores do Brasil e também do exterior foi muito importante", afirmou.
Segundo ele, a mobilização dos pesquisadores já permitiu "a identificação de uma quantidade considerável de fósseis que também serão repatriados".
O secretário também destacou a importância do retorno do fóssil do dinossauro à região do Crato, no Nordeste, região onde o animal viveu há cerca de 110 milhões de anos. "A região onde o Ubirajara viveu é um sítio paleontológico muito importante, e que tem um enorme potencial de desenvolvimento também por meio das pesquisas da Urca (Universidade Regional do Cariri)."
Diversos paleontólogos também acompanharam a cerimônia. Entre eles estavam alguns dos principais nomes por trás da campanha pela repatriação, como Juan Cisneros, professor da UFPI (Universidade Federal do Piauí), e Aline Ghilardi, professora da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
"Estou muito feliz de poder participar dessa cerimônia. Foi uma luta muito árdua e significa muito estar por aqui para ver esse brasileirinho de perto. Que muitos brasileiros possam vê-lo e estudá-lo daqui para frente, e que ele seja a nossa bandeira para uma luta maior, que transcende tudo isso, que é a luta por uma ciência mais justa e humana, descolonizada", disse Ghilardi.
"O dia de hoje oficializa uma grande conquista para a paleontologia brasileira. Conseguimos fazer com que a luta por um fóssil virasse uma questão de Estado e que a importância dos fósseis fosse melhor compreendida por muita gente. Inicia-se agora uma nova era para os fósseis brasileiros e agora temos apoio das instituições", completou a paleontóloga.
Entre os cientistas brasileiros, o clima no evento foi de grande comemoração. A festa para o dinossauro –que chegou ao Brasil no último dia 4, com uma delegação de autoridades alemãs que inclui a ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock— também foi acompanhada nas redes sociais.
A instituição escolhida para receber o dinossauro foi o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, que pertence à Urca, no Ceará, que ganhará um espaço especial para abrigar o valioso material.
Além de se mobilizar para garantir a devolução de outros fósseis brasileiros no exterior, a comunidade paleontógica nacional também se prepara para realizar seus próprios estudos sobre o dinossauro.
Diante da origem irregular do material, a publicação científica em que a espécie foi descrita e batizada acabou sendo "despublicada". Isso significa que agora os pesquisadores têm sinal verde para apresentar novos trabalhos acadêmicos e, inclusive, para escolher um novo nome para o animal, que deve deixar de se chamar Ubirajara jubatus, nomenclatura proposta pelos pesquisadores estrangeiros.
Embora a legislação brasileira proíba a venda de fósseis e determine diversas restrições para que eles saiam do país, é comum encontrar exemplares da pré-história nacional depositados em coleções da Europa e dos Estados Unidos.
Levado irregularmente do Brasil na década de 1990, o fóssil do Ubirajara jubatus estava em posse do Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, que se recusava a devolvê-lo, apesar da pressão dos cientistas e da diplomacia brasileira.
Diretor do museu até janeiro de 2022, o paleontólogo Eberhard "Dino" Frey foi um dos autores do artigo com a descrição do dinossauro brasileiro. Ele foi sucedido no cargo por Norbert Lenz, que também foi coautor do trabalho.
A devolução dos vestígios do animal ao Brasil só foi adiante após determinação de autoridades da região de Baden-Württemberg em julho de 2022. A então ministra da Ciência da região alemã apontou má conduta científica na obtenção do fóssil, em linha com as denúncias dos paleontólogos brasileiros e com afirmações do Ministério Público Federal.
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