Antimatéria sofre efeito da gravidade assim como uma maçã caindo de uma árvore

Pela 1ª vez, pesquisadores medem 'queda livre' de átomos da 'irmã gêmea' da matéria comum

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São Carlos (SP)

A antimatéria, raríssima "irmã gêmea" da matéria comum que compõe estrelas, planetas e os nossos corpos, parece ser afetada pela gravidade de maneira idêntica à de uma maçã caindo da árvore, revela um novo estudo. A conclusão vem de um experimento no qual pesquisadores conseguiram medir pela primeira vez a "queda livre" de átomos de antimatéria em laboratório.

O trabalho acaba de sair na revista científica Nature, uma das mais importantes do mundo. Capitaneado por Jeffrey Hangst, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, e com participação majoritária de cientistas europeus, o trabalho também é assinado por um quarteto de brasileiros: Cláudio Lenz Cesar, Daniel de Miranda Silveira, Rodrigo Lage Sacramento e Álvaro Nunes de Oliveira.

A antimatéria se caracteriza, entre outras coisas, por ser uma versão com "sinal trocado" da chamada matéria ordinária que encontramos no Universo. Os elétrons que estão por trás da eletricidade que utilizamos no cotidiano, por exemplo, têm carga negativa. Já os prótons, presentes no núcleo dos átomos de todos os elementos químicos, como o carbono do grafite ou o hidrogênio e o oxigênio da água, têm carga elétrica positiva.

Experimento foi realizado no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), em Genebra, na Suíça - CERN/AFP

No caso da antimatéria, tudo isso se inverte. Em vez de elétrons, ela tem pósitrons (como o nome sugere, sua carga é positiva) e antiprótons (com carga negativa). Isso faz com que, quando matéria e antimatéria se encontrem, as partículas de ambas se aniquilem, levando a uma grande liberação de energia.

O problema é que os modelos sobre a origem do Universo preveem que, a rigor, o Cosmos não deveria ter "discriminado" a antimatéria em seu surgimento. Ou seja, nesse momento de gênese, deveriam ter aparecido quantidades iguais de matéria dita ordinária e antimatéria.

No entanto, como isso teria levado ao aniquilamento de todas as partículas, o Universo teria sumido antes mesmo de começar. Uma vez que a matéria ordinária acabou predominando por uma margem enorme, dando origem a todas as estruturas que conhecemos, é preciso explicar por que a antimatéria se tornou tão minoritária.

"Havia muitas discussões sobre a questão da ‘antigravidade’, a qual resolveria a questão da aparente inexistência de antimatéria em nosso Universo", diz Lenz Cesar, que trabalha no Instituto de Física da UFRJ.

Segundo essa ideia, supondo que a antimatéria não se comportasse da mesma maneira que a matéria comum diante da ação da gravidade, uma teria "repelido" a outra para longe –ou seja, um tipo de "antigravidade", já que a versão comum dessa força envolve a atração entre objetos com massa. Portanto, nos primórdios do Cosmos, a antimatéria teria ficado completamente separada da matéria comum.

Outra possibilidade tem a ver com o fato de que a teoria mais consolidada hoje para descrever a gravidade, a chamada teoria da relatividade geral, ainda não foi unificada com a mecânica quântica, que descreve o comportamento das partículas subatômicas.

"Dessa forma, não estaria excluído que venhamos a achar uma pequena diferença na atração gravitacional entre matéria e antimatéria com relação à que existe entre matéria e matéria", resume o pesquisador da UFRJ.

O novo experimento enfrentou essas dúvidas criando uma espécie de armadilha magnética na qual foram aprisionados átomos de anti-hidrogênio –ou seja, o "gêmeo de antimatéria" do hidrogênio presente na água. Enquanto a forma mais comum do hidrogênio tem um só próton em seu núcleo, em torno do qual gira um elétron, os átomos de anti-hidrogênio são formados por um antipróton e um pósitron.

A armadilha magnética, quando ligada, evitava que os átomos de antimatéria colidissem com a parede da estrutura e se aniquilassem. Ao diminuir lentamente a ação do magnetismo sobre os átomos, os cientistas podiam observar se eles tendiam a "cair para baixo" –exatamente o que se espera da ação da gravidade, é claro, já que a estrutura da armadilha é vertical, como a de uma garrafa. Nas circunstâncias do experimento, não seria esperado que todos os átomos despencassem. E, claro, é possível prever que a queda, se acontecesse, dar-se-ia no ritmo esperado pela atração gravitacional da Terra, que produz uma aceleração de 9,81 metros por segundo ao quadrado no caso da matéria comum.

Resultado: cerca de 80% dos átomos de antimatéria sofreram a aniquilação "caindo" –um valor que bate com o que se espera de uma nuvem de hidrogênio comum. "Esse resultado é histórico porque enterra definitivamente a ideia de antigravidade e inaugura uma era de medida direta da ação da gravidade sobre a antimatéria", resume Lenz Cesar.

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