Antes pet, peixe-dourado gigante come de tudo e ameaça os Grandes Lagos

Animais podem matar a vida marinha nativa e ajudar a destruir ecossistemas frágeis

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Livia Albeck-Ripka
The New York Times

Em um aquário, o peixe-dourado —uma espécie de carpa nativa do leste da Ásia, criada para deleite estético e, acredita-se, para ter boa sorte— é pouco mais do que decoração de casa. Geralmente com apenas alguns centímetros de comprimento, é um dos animais de estimação mais fáceis de cuidar.

Mas, quando soltos na natureza, os aparentemente humildes peixes-dourados, libertos das barreiras de vidro e não mais limitados a refeições modestas, podem tomar proporções monstruosas. Há também o risco de matarem a vida marinha nativa e ajudar a destruir ecossistemas frágeis e economicamente valiosos.

"Eles podem comer qualquer coisa e tudo", disse Christine Boston, bióloga de pesquisa aquática do Fisheries and Oceans Canada, órgão federal responsável pela gestão de recursos pesqueiros.

Nos últimos anos, Boston e seus colegas têm rastreado peixes-dourados invasores no Porto de Hamilton, que fica na ponta oeste do lago Ontário, que fica 56 km a sudoeste de Toronto. A baía foi devastada pelo desenvolvimento industrial e urbano, bem como por espécies invasoras, tornando-se uma das áreas mais degradadas ambientalmente dos Grandes Lagos.

peixe dourado está apoiado nas duas palmas de uma pessoa que usa luvas na cor azul
Peixe-dourado encontrado no lago Ontário, 1 dos 5 que formam o Grande Lagos da América do Norte, por pesquisadores do Great Lakes Laboratory for Fisheries and Aquatic Sciences (laboratório dos Grandes Lagos para pesca e ciências aquáticas), ligado ao Fisheries and Oceans Canada (pesca e oceanos do Canadá), órgão federal responsável pela gestão de recursos pesqueiros. - Great Lakes Laboratory for Fisheries and Aquatic Sciences

O estudo, publicado em novembro passado no Journal of Great Lakes Research, pode ajudar a identificar populações de peixes-dourados para abate, segundo Boston, autora principal do trabalho. "Descobrimos onde eles estão antes de começarem a se reproduzir", disse ela. "Essa é uma boa oportunidade para se livrar deles."

As fêmeas de peixe-dourado, que crescem rapidamente, também podem se reproduzir várias vezes em uma temporada. "Elas têm os recursos", acrescentou Boston, "e podem aproveitá-los".

Os peixes-dourados foram avistados pela primeira vez no Porto de Hamilton na década de 1960, mas morreram em grande parte na década de 1970 devido à contaminação industrial. No início dos anos 2000, sua população parecia se recuperar. Os peixes-dourados toleram uma ampla faixa de temperatura da água, atingem a maturação sexual rapidamente e podem comer quase qualquer coisa, incluindo algas, plantas aquáticas, ovos e invertebrados, disse Boston.

Seus corpos em forma de bola de futebol podem atingir um tamanho que os torna uma refeição grande demais para predadores —até cerca de 40 cm de comprimento. "Um peixe teria que ter uma boca muito grande para comê-los", afirmou a pesquisadora.

Os peixes-dourados selvagens também são destrutivos, arrancando e consumindo plantas que são o lar de espécies nativas. Eles ajudam a gerar florações de algas nocivas ao consumir as algas e expelir nutrientes que promovem seu crescimento, disse Boston, criando condições intoleráveis para os peixes nativos.

Há literalmente milhões de peixes-dourados nos Grandes Lagos, se não dezenas de milhões

Nicholas Mandrak

professor de ciências biológicas da Universidade de Toronto Scarborough

Para rastrear os peixes-dourados, os pesquisadores capturaram e sedaram 19 dos adultos maiores e implantaram neles etiquetas do tamanho de pilhas AA. Os itens, que enviavam sinais para receptores acústicos ao redor da baía, forneceram aos pesquisadores um mapa das localizações dos animais.

Oito deles morreram. Os outros 11 levaram Boston e seus colegas a descobrir que os peixes tendiam a passar o inverno em águas profundas e se mudavam para habitats mais rasos na primavera, onde se preparavam para se reproduzir.

Algumas opções para remover os peixes-dourados, disse ela, incluem capturá-los com redes especializadas implantadas sob o gelo do inverno ou usar "pesca elétrica", que envolve atordoá-los com uma corrente elétrica e retirá-los da água. Ambas as técnicas, acrescentou a pesquisadora, evitariam matar os peixes nativos.

Nicholas Mandrak, professor de ciências biológicas da Universidade de Toronto Scarborough, disse que, embora os peixes-dourados tenham sido introduzidos na América do Norte no final do século 19, a população selvagem começou a "aumentar dramaticamente" nas últimas duas décadas. Sua explosão de reprodução, disse ele, resultou em parte do do fato de moradores de áreas densamente povoadas liberarem animais de estimação em lagoas urbanas.

As mudanças climáticas podem desempenhar um papel, devido à capacidade do peixe-dourado de se adaptar a águas aquecidas e mal oxigenadas, acrescentou ele.

"Há literalmente milhões de peixes-dourados nos Grandes Lagos, se não dezenas de milhões", afirmou Mandrak.

Apesar da ameaça, acrescentou ele, os gestores ambientais tendem a esquecer os peixes-dourados. "Eles simplesmente assumem: 'Está lá há 150 anos —não há nada que possamos fazer a respeito'".

O problema não é exclusivo do Canadá.

Na Austrália, um punhado de peixes-dourados indesejados e sua prole tomaram conta de um rio no sudoeste do país.

Peixes-dourados selvagens inundaram cursos d'água no Reino Unido, e, em Burnsville, Minnesota (EUA), a descoberta de criaturas do tamanho de uma bola de futebol em um lago em 2021 fez as autoridades implorarem a moradores: "Por favor, não soltem seus peixes-dourados de estimação em lagoas e lagos!"

Anthony Ricciardi, professor de ecologia invasora na Universidade McGill em Montreal, observou que nem todos os peixes-dourados invasores se tornam gigantes, mas até mesmo os pequenos são problemáticos, superando as populações de peixes nativos e danificando o meio ambiente.

As pessoas erroneamente acreditam que, porque os peixes-dourados são "pequenos e fofos", eles não representarão um problema quando soltos na natureza, disse Ricciardi. "É a síndrome do 'Free Willy'".

Peixes-dourados, ele acrescentou, são apenas uma pequena parte de uma vasta invasão de espécies não nativas cujos resultados podem ser imprevisíveis e, em alguns casos, são agravados pelas mudanças climáticas.

"Sob influência humana, as criaturas estão se movendo mais rápido, mais longe e em maior número, alcançando partes do planeta que nunca poderiam alcançar antes", disse ele. "Estamos falando sobre a redistribuição da vida na Terra."

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