Desenho misterioso é a arte rupestre mais antiga encontrada na Patagônia

Registro em caverna tem mais de 8.200 anos atrás; povos pré-históricos começaram a fazê-lo conforme o clima mudava

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Becky Ferreira
The New York Times

No deserto da Patagônia, na Argentina, há uma caverna com quase 900 pinturas de figuras humanas, animais e desenhos abstratos. Até pouco tempo atrás, pesquisadores trabalhavam com a hipótese de que a arte rupestre no Cueva Huenul 1, como o local é conhecido, surgiu nos últimos milhares de anos.

Mas em um artigo publicado na última quarta-feira (14) na revista Science Advances, arqueólogos afirmam que um dos desenhos mais misteriosos da caverna, cujo formato se assemelha ao de um pente, apareceu pela primeira vez há cerca de 8.200 anos, tornando-se de longe o exemplo mais antigo de arte rupestre em um dos últimos lugares da Terra a serem habitados por nossa espécie.

Os autores dos desenhos na caverna repetiram o formato parecido ao de um pente, em pigmento preto, por milhares de anos, em uma época em que outras atividades humanas eram praticamente inexistentes no local.

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Desenho na caverna Cueva Huenul 1, na Patagônia, Argentina - Guadalupe Romero Villanueva

A arte observada ali oferece um vislumbre raro de uma cultura que pode ter dependido desse padrão de desenho para comunicar ideias valiosas ao longo das gerações e durante um período de mudanças climáticas.

"Recebemos os resultados e ficamos muito surpresos", disse Guadalupe Romero Villanueva, autora do estudo e arqueóloga na agência governamental argentina Conicet e no Instituto Nacional de Antropologia e Pensamento Latino-Americano em Buenos Aires. "Foi um choque, e tivemos que repensar algumas coisas."

A Patagônia, que se estende até a ponta sul da América do Sul, não foi alcançada por humanos até cerca de 12 mil anos atrás. Os primeiros habitantes prosperaram na Cueva Huenul 1 por gerações, deixando sinais de habitação.

Então, por volta de 10 mil anos atrás, a área se tornou mais árida e hostil como resultado de mudanças climáticas. O registro arqueológico na caverna também secou nos próximos milhares de anos, sugerindo que o local foi abandonado devido a pressões ambientais.

Os desenhos se sobrepõem a esse longo período de dificuldades, de acordo com Romero Villanueva e seus colegas, que identificaram a idade das pinturas com datação por radiocarbono. A equipe também descobriu que a tinta preta provavelmente foi feita com madeira carbonizada, talvez de arbustos ou cactos queimados.

"É significativo que tenhamos, mais ou menos, 3.000 anos de pintura basicamente com o mesmo padrão", disse Ramiro Barberena, autor do estudo e arqueólogo no Conicet e na Universidade Católica de Temuco, no Chile.

Ele acrescentou que isso era evidência "da continuidade na transmissão de informações nessas sociedades muito pequenas e muito móveis".

Embora o significado do desenho similar ao de um pente tenha se perdido no tempo, os pesquisadores especulam que ele possa ter ajudado a preservar memórias coletivas e tradições orais de povos que suportaram um período quente e seco.

Os relacionamentos entre grupos de humanos antigos que desenvolveram e compartilharam essa arte rupestre podem ter aumentado as chances de sobrevivência nesse ambiente desafiador, disse Barberena.

Andrés Troncoso, arqueólogo do departamento de antropologia da Universidade do Chile que não esteve envolvido na pesquisa, disse que concordava com essa interpretação. O artigo "contribui para a discussão sobre como os humanos lidaram com a mudança climática no passado", disse ele.

Embora o significado do desenho provavelmente permaneça um mistério, sua presença por um longo tempo na caverna abre uma nova janela para o estudo de povos pré-históricos da Patagônia.

"Você não pode deixar de pensar nessas pessoas", disse Romero. "Elas estavam no mesmo lugar, admirando a mesma paisagem; as pessoas que viviam aqui, talvez famílias, estavam se reunindo aqui por aspectos sociais. É realmente emocionante para nós."

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