Rios de lava em Vênus revelam um planeta mais vulcanicamente ativo

Análise de imagens antigas fornece evidências de que vulcões continuam a remodelá-lo

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Robin George Andrews
The New York Times

Testemunhar uma erupção vulcânica na Terra é memorável, mas ver rocha derretida escorrer de um vulcão em um planeta diferente seria extraordinário. Isso é quase o que os cientistas avistaram em Vênus: dois vastos e sinuosos fluxos de lava escorrendo de dois cantos diferentes do nosso vizinho planetário.

"Depois de ver algo assim, a primeira reação é 'uau'", disse o estudante de doutorado Davide Sulcanese, da Universidade d'Annunzio em Pescara, Itália. Ele é autor de uma pesquisa sobre a descoberta publicada nesta segunda (27) na revista Nature Astronomy.

Terra e Vênus foram forjados ao mesmo tempo. Ambos são feitos da mesma matéria primordial, e ambos têm a mesma idade e tamanho. Então, por que o primeiro é um paraíso transbordando de água e vida, enquanto o segundo é um inferno escaldante com céus ácidos?

Erupções vulcânicas mexem com as atmosferas planetárias. Uma teoria sustenta que, éons atrás, várias erupções apocalípticas desencadearam um efeito estufa descontrolado em Vênus, fazendo que deixasse de ser um mundo temperado e encharcado em água para virar um deserto árido.

Imagem da superfície de Vênus, com pontos em vermelho destacando pontos com fluxo de lavas
Em vermelho as áreas com fluxos de lava na encosta do vulcão Sif Mons, em Vênus - IRSPS/Universidade d'Annunzio

Para entender melhor a atividade vulcânica, os cientistas esperavam capturar uma erupção em curso. Mas, embora Vênus seja conhecido por estar repleto de vulcões, uma atmosfera opaca impediu que alguém visse uma erupção da maneira como as espaçonaves as avistaram em Io, a hipervulcânica lua de Júpiter.

Na década de 1990, a espaçonave Magellan, da Nasa, usou radar penetrante de nuvens para mapear a maior parte do planeta. Porém, naquela época, as imagens de baixa resolução dificultavam a tarefa de identificar rochas fundidas frescas.

Ao usar um software moderno para analisar os dados da espaçonave, os cientistas agora encontraram dois fluxos de lava: um descendo pela encosta de Sif Mons, um amplo vulcão; e outro em uma parte ocidental da Niobe Planitia, uma área marcada por numerosas montanhas vulcânicas.

Muitos cientistas planetários consideravam que Vênus estava efervescendo com erupções. "Mas uma coisa é suspeitar disso e outra bem diferente é saber", disse o cientista planetário Paul Byrne, da Universidade de Washington em St. Louis que não fez parte do novo estudo.

Vênus não tem placas tectônicas como a Terra. No entanto, sua constituição rochosa semelhante e tamanho comparável sugerem que algo ainda deve estar acontecendo dentro do planeta —e ele deve estar ativo vulcanicamente.

Há evidências indiretas disso: gases vulcânicos pairam nos céus de Vênus, e a maneira como partes do planeta brilham sugere que foram cobertas por lava no passado geológico recente.

E, em 2023, surgiram evidências diretas da fúria vulcânica, quando os pesquisadores avistaram uma abertura vulcânica dobrando de tamanho e possivelmente se enchendo de lava, conforme dados antigos da sonda Magellan. Outros cientistas ainda esperavam por sinais de um fluxo de lava.

Sulcanese conseguiu esses sinais. Ele encontrou manchas brilhantes semelhantes a rios em Sif Mons e em Niobe Planitia em imagens de levantamentos posteriores da sonda Magellan que não estavam presentes em dados anteriores. Após descartar cuidadosamente outras possibilidades, incluindo deslizamentos de terra, sua equipe concluiu que a lava era a única explicação razoável.

"Magellan continua rendendo frutos", disse o astrofísico planetário Stephen Kane, da Universidade da Califórnia, Riverside, que não estava envolvido no novo estudo.

Ambas as correntes de lava são comparáveis em tamanho à produção do vulcão Kilauea, no Havaí, durante três meses em 2018. E usando essas duas erupções, os autores do estudo estimam que há consideravelmente mais atividade eruptiva do que se pensava anteriormente —e que está acontecendo em outros lugares do planeta nos dias atuais.

"Vênus está ativo", disse o astrônomo Giuseppe Mitri, da Universidade d'Annunzio, e também autor do estudo.

Mais importante, falando em termos vulcânicos, Vênus "é semelhante à Terra", segundo Anna Gülcher, cientista planetária do Instituto de Tecnologia da Califórnia que não estava envolvida no trabalho.

O resultado também complica a tentativa de detecção de fosfina na atmosfera de Vênus. A substância geralmente está associada na Terra a seres vivos, mas a atividade vulcânica também pode produzi-la.

Também há argumentos de que Vênus simplesmente não tem atividade suficiente para isso. "Bem, aparentemente há", disse Kane.

A única maneira de encontrar respostas melhores é revisitar o planeta. Uma frota de novas espaçonaves está pronta para fazer isso na década de 2030.

Enquanto esperamos, as memórias da sonda Magellan continuarão a oferecer presentes inesperados.

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