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Evidências sugerem encontro amigável entre sapiens e neandertais

Troca de ferramentas e de matérias-primas sustentam essa possibilidade

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Cristina de Juana Ortín

Professora e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Arte e Arqueologia (Art-Queo), da Universidade Internacional de La Rioja

The Conversation

Todos os dias aprendemos mais e mais sobre uma história fascinante. Há mais de 40 mil anos, duas linhagens diferentes de humanos coincidiram no tempo: neandertais e H. sapiens. Falamos de linhagens porque ambas deram origem a um descendente comum, nós mesmos.

Sabemos agora que as pessoas de ascendência não africana têm de 1% a 2% de DNA neandertal em seu genoma. Essa porcentagem reflete uma estimativa média de sua contribuição genética para o DNA sapiens. Entretanto, há estimativas que elevam essa proporção para 4% ao considerar diferentes populações.

Atualmente, os africanos subsaarianos têm cerca de 0,5% de DNA neandertal graças ao retrocruzamento, resultado das migrações de humanos modernos com DNA de neandertal de volta à África. Os nativos americanos e da Oceania têm de 1% a 2%, com algumas diferenças regionais, refletindo a migração inicial de ancestrais asiáticos para essas áreas.

A imagem mostra um crânio humano fossilizado e uma mandíbula, ambos em exibição sobre suportes pretos. O crânio está danificado, com várias fissuras visíveis, e a mandíbula apresenta também sinais de desgaste. Ao fundo, é possível ver outros crânios desfocados, sugerindo que estão em um ambiente de exposição.
Crânio de neandertal de 75 mil anos encontrado no Iraque em 2018 - Justin Tallis /AFP

A seleção natural eliminou e reteve diferentes genes de neandertal. Aqueles que ofereceram uma vantagem foram mantidos em maior proporção, como certos traços físicos. Também aqueles que favorecem a imunidade e a maior capacidade termorregulatória. Outros, por sua vez, nos predispõem a certas doenças, como depressão ou artrite.

Cultura compartilhada

A mistura entre sapiens e neandertais ocorreu em vários eventos em diferentes regiões da Europa e da Ásia.

Por um lado, eles compartilharam os mesmos habitats por milhares de anos. Em tempos de escassez, as migrações foram frequentes e os grupos menos numerosos, nesse caso os neandertais, tenderam a aceitar o que é diferente. Isso é mera sobrevivência.

Isso não deveria ser surpreendente, já que a fisionomia do rosto dos sapiens deve ter parecido "atraente" para os neandertais, como Juan Luis Arsuaga explica em "The Neanderthal Necklace".

Por outro lado, ambos os grupos teriam tido uma capacidade física para a linguagem. Embora seja difícil de provar, os neandertais poderiam ter apresentado alguma forma de comunicação verbal. É a anatomia de suas cordas vocais, do trato vocal e do tamanho e estrutura do cérebro, especialmente nas áreas relacionadas à linguagem, que leva a essa afirmação. Além do formato do hioide, como apontam os pesquisadores da caverna Kebara, em Israel.

Eles também compartilhavam conhecimento tecnológico, a indústria lítica do Paleolítico Médio. Foram encontradas evidências de intercâmbio cultural, como a adaptação de técnicas sapiens pelos neandertais. Uma das áreas emblemáticas onde esse fenômeno foi estudado é a região de Chatelperron, na França.

Ambos também eram altamente simbólicos. Além das representações de sapiens, temos testemunhos de neandertais, por exemplo, na caverna Gorham (Gibraltar) ou na caverna Ardales (Málaga).

Ambos os grupos também empregaram itens de valor simbólico, como ornamentos pessoais, penteados, pingentes, o uso de ocre e oferendas em sepultamentos.

Encontro ou conflito?

Embora existam evidências que sugerem conflito entre neandertais e sapiens, as evidências são limitadas e sujeitas a interpretação. Podemos provar que o agressor era um sapiens ou um neandertal? Certamente que não.

Isso é o que acontece com restos mortais como o crânio de Saint-Césaire (França), com uma fratura na base relacionada a um golpe forte. Ou com o crânio de Shanidar 3 (Iraque), que apresenta um ferimento perfurante em uma costela, possivelmente devido a uma flecha ou projétil.

Em um nível teórico, podemos propor diferentes interpretações que justificariam o conflito com base em diferentes evidências.

Por um lado, a menor diversidade genética dos neandertais poderia apontar para mais conflitos ou pressões por sobrevivência.

Por outro lado, evidências diretas nos dizem que deve ter havido competição por recursos, ocupando os mesmos habitats.

Além disso, as evidências arqueológicas indicam que as marcas em ossos e a disposição das ferramentas em alguns locais podem ser indicativos de conflito.

Diante dessas hipóteses, temos uma realidade: sua anatomia não foi um impedimento para o relacionamento ou a procriação entre os dois grupos. E a aparência física não parece ter sido um obstáculo.

Amizade em tempos difíceis

Tudo isso, mais a necessidade de tolerar situações em tempos de escassez, nos incentiva a pensar em um encontro "amigável". Dessa "amizade", temos evidências arqueológicas claras por meio da troca de ferramentas, conchas perfuradas e tingidas, bem como diferentes matérias-primas, como sílex ou obsidiana.

As descobertas sugerem que houve um tipo de comércio direto, migrações e transmissão cultural. E essa troca tinha de ser significativa, pois incluía a transferência de ferramentas, ornamentos, pigmentos e, muito provavelmente, ideias simbólicas.

Por todas essas razões, é prudente pensar que poderia ter havido "amor" entre os neandertais e os sapiens, pois para sobreviver é essencial amar a própria prole. E o fruto desse amor somos nós mesmos.

Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original

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