Por que o DNA de humanos modernos não tem o cromossomo Y de neandertais

Resposta pode estar em uma teoria centenária sobre a saúde dos híbridos de espécies

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Jenny Graves

Professora de genética na Universidade La Trobe

The Conversation

Os neandertais, os "primos" mais próximos dos humanos modernos (Homo sapiens), viveram em partes da Europa e da Ásia até sua extinção, há cerca de 30 mil anos.

Estudos genéticos estão revelando cada vez mais sobre os vínculos entre os humanos modernos e esses parentes há muito desaparecidos —uma onda de cruzamentos entre nossas espécies ocorreu em um período relativamente curto cerca de 47 mil anos atrás. Um mistério, porém, ainda permanece.

O genoma do Homo sapiens hoje contém um pouco de DNA de neandertal. Esses traços genéticos vêm de quase todas as partes do genoma neandertal —exceto o cromossomo sexual Y, responsável pela formação dos machos.

Então, o que aconteceu com o cromossomo Y dos neandertais? Ele pode ter se perdido por acidente ou devido a padrões de acasalamento ou função inferior. Mas a resposta pode estar em uma teoria centenária sobre a saúde dos híbridos de espécies.

Crânio de mulher neandertal de 75 mil anos e ao lado a reconstrução de sua face - Justin Tallis - 1º.mai.24/AFP

Sexo, genes e cromossomos neandertais

Os neandertais e os humanos modernos seguiram caminhos evolutivos separados em algum lugar entre 550 mil e 765 mil anos atrás na África, quando os neandertais vagaram para a Europa, mas nossos ancestrais permaneceram lá. Eles não se encontraram novamente até que o H. sapiens migrou para a Europa e a Ásia entre 40 mil e 50 mil anos atrás.

Os cientistas recuperaram cópias dos genomas completos de homem e mulher neandertais graças ao DNA de ossos e dentes bem preservados de indivíduos neandertais na Europa e na Ásia. Como era de se esperar, o genoma neandertal era muito semelhante ao nosso, contendo cerca de 20 mil genes agrupados em 23 cromossomos.

Como nós, eles tinham duas cópias de 22 desses cromossomos (uma de cada genitor) e também um par de cromossomos sexuais. As fêmeas tinham dois cromossomos X, enquanto os machos tinham um X e um Y.

É difícil sequenciar os cromossomos Y porque eles contêm uma grande quantidade de DNA "lixo" repetitivo. Com isso, o genoma Y do neandertal foi parcialmente sequenciado.

A grande parte sequenciada contém versões de vários dos mesmos genes que estão no cromossomo Y do ser humano moderno.

Nos humanos modernos, um gene do cromossomo Y chamado SRY dá início ao processo de desenvolvimento de um embrião XY em um macho.

O gene SRY tem essa função em todos os primatas, portanto, presumimos que ele também desempenhava para os neandertais, embora não tenhamos encontrado o gene SRY neandertal propriamente dito.

Acasalamento interespécies nos deu genes neandertais

Há muitos pequenos sinais que marcam uma sequência de DNA como proveniente de um neandertal ou de um H. sapiens. Assim, podemos procurar pedaços da sequência de DNA neandertal nos genomas dos humanos modernos.

Os genomas de todas as linhagens humanas originárias da Europa contêm cerca de 2% de sequências de DNA neandertal. As linhagens da Ásia e da Índia apresentam ainda mais, enquanto as linhagens restritas à África não têm nenhuma. Alguns genomas antigos de H. sapiens guardam ainda mais —6% ou mais—, ou seja, parece que os genes neandertais estão desaparecendo gradualmente.

A maior parte desse DNA neandertal chegou em um intervalo de 7.000 anos, há aproximadamente 47 mil anos, depois que os humanos modernos saíram da África para a Europa e antes que os neandertais fossem extintos, cerca de 30 mil anos atrás. Durante esse período, deve ter havido muitos pares entre neandertais e humanos modernos.

Pelo menos metade de todo o genoma neandertal pode ser montada a partir de fragmentos encontrados nos genomas de diferentes humanos contemporâneos. Devemos agradecer aos nossos ancestrais neandertais por características como cabelo vermelho, artrite e resistência a algumas doenças.

Existe uma exceção gritante. Nenhum humano contemporâneo foi encontrado com qualquer parte do cromossomo Y de neandertais.

O que aconteceu com o cromossomo Y neandertal?

Foi apenas má sorte que o cromossomo Y neandertal tenha se perdido? Ele não era muito bom em seu trabalho de criar machos? Será que só as mulheres neandertais, mas não os homens, se entregavam ao acasalamento interespécies? Ou havia algo tóxico no cromossomo Y neandertal que o impedia de trabalhar com os genes dos humanos modernos?

Um cromossomo Y chega ao fim da linhagem se seus portadores não tiverem filhos, portanto, ele pode simplesmente ter se perdido ao longo de milhares de gerações. Ou talvez o cromossomo Y neandertal nunca tenha estado presente em acasalamentos interespécies.

Talvez tenham sido sempre os homens humanos modernos que se apaixonaram (ou negociaram, se apoderaram ou estupraram) por mulheres neandertais? Os filhos nascidos dessas mulheres teriam todos a forma H. sapiens do cromossomo Y. Mas é difícil conciliar essa ideia com a descoberta de que não há vestígios de DNA mitocondrial neandertal (que se limita à linhagem feminina) nos humanos modernos.

Ou talvez o cromossomo Y neandertal não fosse tão bom em seu trabalho quanto seu rival H. sapiens. As populações neandertais sempre foram pequenas, portanto, as mutações prejudiciais teriam maior probabilidade de se acumular.

Sabemos que os cromossomos Y com um gene particularmente útil (por exemplo, para ter mais esperma, melhor ou mais rápido) substituem rapidamente outros cromossomos Y em uma população (chamado de efeito carona).

Também sabemos que o cromossomo Y está em degradação geral nos seres humanos. É até possível que o SRY tenha sido perdido do Y neandertal e que os neandertais estivessem em um processo disruptivo de desenvolvimento de um novo gene determinante do sexo, como alguns roedores têm.

O cromossomo Y neandertal era tóxico em meninos híbridos?

Outra possibilidade é que o cromossomo Y de neandertal não funcione com genes em outros cromossomos de humanos modernos.

O Y neandertal ausente pode então ser explicado pela regra de Haldane. Na década de 1920, o biólogo britânico J.B.S. Haldane observou que, em híbridos entre espécies, se um dos sexos for infértil, raro ou insalubre, será sempre o sexo com cromossomos sexuais diferentes.

Nos mamíferos e em outros animais em que as fêmeas têm cromossomos XX e os machos têm XY, os híbridos masculinos são desproporcionalmente inaptos ou inférteis. Em pássaros, borboletas e outros animais em que os machos têm cromossomos ZZ e as fêmeas têm ZW, são as fêmeas.

Muitos cruzamentos entre diferentes espécies de camundongos apresentam esse padrão, assim como os cruzamentos entre felinos. Por exemplo, nos cruzamentos entre leão e tigre, as fêmeas são férteis, mas os machos são estéreis.

Ainda não temos uma boa explicação para a regra de Haldane. Esse é um dos mistérios duradouros da genética clássica.

Mas parece razoável que o cromossomo Y de uma espécie tenha evoluído para trabalhar com genes de outros cromossomos de sua própria espécie e possa não trabalhar com genes de uma espécie relacionada que contenha mesmo que pequenas alterações.

Sabemos que os genes do Y evoluem muito mais rapidamente do que os genes de outros cromossomos, e vários deles têm funções na produção de esperma, o que pode explicar a infertilidade dos híbridos masculinos.

Portanto, isso pode explicar por que o Y neandertal se perdeu. Isso também levanta a possibilidade de que foi por culpa do cromossomo Y, ao impor uma barreira reprodutiva, que os neandertais e os humanos se tornaram espécies separadas.

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