O Uber não sabe, mas se inspirou em Ary Barroso na hora de anunciar sua nova categoria de viagem, em que o passageiro tem a opção de não conversar com o motorista. A anedota, uma entre tantas do vasto folclore em torno do compositor de “Aquarela do Brasil”, é mais ou menos conhecida. Ary chegou ao barbeiro, sentou-se na cadeira e ouviu: “Como o senhor vai querer o corte, doutor?”. “Calado”, respondeu ele, que provavelmente estava curtindo uma ressaca.
É tudo uma questão de educação e ânimo. Ou de sorte. Com anos de milhagem em táxis, Ruy Castro usa os motoristas como uma espécie de Google, ouvindo explicações sobre marés, ventos, fases lunares, temperatura (sobretudo a política), o comportamento das corujas urbanas e, num dia memorável, o destino de Arubinha, o jogador do Andaraí que, em 1937, rogou uma praga contra o Vasco por este ter goleado seu time por 12 a 0 e virou personagem de uma crônica antológica de Mario Filho.
Mas, para quem não tem a ventura do Ruy, é duro ter de escutar música gospel ou as incríveis façanhas daqueles que no passado eram conhecidos como choferes de praça. Pelos relatos, muitos dão a impressão de que, em outra vida, foram redatores da revista “Ele&Ela”, cuja seção “Fórum” apresentava, em português castiço, as fantasias sexuais dos leitores.
Nas redes sociais houve reação ao anúncio do serviço, que chega ao Brasil em novembro e, lógico, custará mais caro. Os comentários referiam-se menos ao preço do que à desumanidade das relações pessoais no mundo de hoje. Nem bom dia se dá mais.
A melhor avaliação veio do jornalista Mauricio Stycer: “Essa categoria nova do Uber, ‘sem conversas’, é a preparação para a categoria ‘sem motorista’, que virá a seguir”. Imagine quanto custará um chofer-robô à Philip K. Dick. Ele até pode ser mudo, mas nada impedirá a eterna barbeiragem.
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