Antes passava um carro ou outro com o alto-falante no máximo. Depois, nas praias, apareceram as caixas de som de todos os tamanhos debaixo dos guarda-sóis: pagode, sertanejo e funk em decibéis insuportáveis.
Hoje, com o isolamento —que já foi bem maior—, o som ambiente toma conta das ruas de bairros residenciais, cada janela de apartamento com sua preferência: Anitta, Luan Santana, Nelson Gonçalves, Pavarotti, Beatles, às vezes todos ao mesmo tempo, numa mixórdia infernal. Às seis da tarde, a liturgia: "Ave Maria", de Gounod, versão para cavaquinho e atabaques, por Jorge Aragão. Na boca da noite, no tradicional panelaço, "Apesar de Você", de Chico Buarque. E, desde meados do mês, ouve-se repetidas vezes a singela "Acabou Chorare", homenagem a Moraes Moreira.
Refém do baile alheio, eu fico torcendo para alguém lembrar-se de Roberto Silva, cujo centenário de nascimento, no dia 9 de abril, passou praticamente em branco, não só nas janelas como na imprensa.
Minha sugestão: tocar numa manhã de domingo a série de LPs "Descendo o Morro", quatro volumes lançados entre 1954 e 1957. De Noel Rosa a Lupicínio Rodrigues, de Bororó a Ataulfo Alves, de Herivelto Martins a J. Cascata, com arranjos de Altamiro Carrilho, sopros de Abel Ferreira e Raul de Barros, violões de Dino e Meira, percussão de Bucy Moreira, é uma antologia do samba sem igual.
A partir das capas, obra-prima. Na do volume 3, vê-se Roberto numa birosca da rua Ivurarema, em Inhaúma, onde ele morava, brindando com os vizinhos Celso Noventa, Chico Cavalo, Serafim Adriano, Paraibinha Lixador, figurantes que entraram para a história do disco no Brasil.
De epíteto o Príncipe do Samba, estilo sincopado na linha de Cyro Monteiro, mas com recursos de vozeirão à Orlando Silva, era um dos cantores preferidos de João Gilberto. Toquem Roberto Silva, janeleiros.
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