Sherlock Homes não morreu. O que nos leva à constatação de que ele, um dia, teve carne e osso. Para os crédulos, o argumento da existência tem bases sólidas: a morte de uma pessoa tão famosa não deixaria de ser notícia, e o respeitado "The Times", de Londres, ainda não publicou seu obituário. Sherlock, portanto, tem hoje mais de 160 anos.
Se estivesse vivo como seu personagem, Conan Doyle (1859-1930) teria motivo para se orgulhar de uma façanha: submeter a realidade da ficção à ficção da realidade. É a mesma glória que está reservada a Luiz Alfredo Garcia-Roza, morto na semana passada, que fez o delegado Espinosa, de tão convincente, sair da literatura e cair na vida. Muitos leitores juram que já esbarraram e até falaram com ele. Em Copacabana, óbvio.
O curioso é que, ao longo de 11 romances, de "O Silêncio da Chuva (1996) a "A Última Mulher" (2019), Garcia-Roza jamais forneceu uma descrição física detalhada de Espinosa. No entanto, mesmo sem rosto definido ou aparência marcante, ele é visto e apontado nas ruas. Entrando ou saindo da 12ª DP, na rua Hilário de Gouveia; passeando na avenida Atlântica; buquinando nos sebos de calçada; matando a fome no árabe da Galeria Menescal; tomando a fresca debaixo das árvores no Bairro Peixoto, onde mora.
Espinosa tem um belo caráter, e isso lhe dá visibilidade na selva. O que torna o personagem de Garcia-Roza crível é sua integridade. Em nenhum momento cede às pressões de ser polícia num país como o Brasil. Move-se sempre sob o signo da ética estudada na obra do seu xará filósofo.
O golpe tão desejado pelos bolsonaristas avançou uma casa. Foi verbalizado pelo presidente, de camisa vermelha, em frente ao quartel-general do Exército, e de maneira inédita na história das repúblicas bananeiras: entre uma tosse e outra.
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