Ana Fontes

É empreendedora social e fundadora da RME (Rede Mulher Empreendedora). Vice-presidente do Conselho do Pacto Global da ONU Brasil e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República

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Protejam nossas meninas e mulheres

O aborto em caso de estupro é um direito das mulheres e uma questão de saúde pública

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Quando penso que a sociedade finalmente está evoluindo nas pautas que envolvem as mulheres, sou pega de surpresa com o absurdo PL 1904, também apelidado de PL da Gravidez Infantil e do Estupro. O assunto permeou todas as redes na última semana, o que é ótimo, aliás, pois realmente temos que debater e lutar contra a aprovação deste projeto de lei.

A proposta do novo PL é equiparar o aborto em casos de estupro ao crime de homicídio, revogando assim um direto ao qual as mulheres têm desde 1940. Como se isso já não fosse absurdo o bastante, o projeto também prevê que as vítimas que recorrem ao aborto terão penas maiores do que os próprios estupradores, chegando a 20 anos de prisão para quem realizar o procedimento a partir da 22ª semana de gestação.

Atualmente, as mulheres vítimas de estupro podem procurar um dos 76 hospitais em todo o país para fazerem o procedimento de forma legal. O aborto pode, inclusive, acontecer sem a necessidade do registro de um boletim de ocorrência. Ao chegar no hospital, a mulher passa por uma bateria de exames para saber alguns detalhes, como tempo de gravidez e tipo de procedimento a ser feito no caso. As vítimas também passam por testagem de HIV, além de ultrassonografia transvaginal e dosagem beta-HCG, para confirmar a gravidez.

E todo esse processo é feito de forma gratuita pelo SUS, como no Hospital da Mulher (antigo Pérola Byington), localizado em São Paulo, que é referência nesse tipo de procedimento.

A criminalização do aborto em casos de estupro é inconstitucional. É um direito das mulheres e igualmente uma questão de saúde pública, que nada tem a ver com religião ou ponto de vista pessoal dos deputados que querem aprovar a lei.

O fato de o aborto ser criminalizado ou a aprovação dessa PL não vai mudar o fato de que mulheres morrem por conta de abortos clandestinos. As mais sofrem com as consequências de um procedimento clandestino são as mulheres negras, jovens e solteiras com ensino fundamental. A verdade é que o aborto é legalizado, sim. O que vai fazer as mulheres terem acesso a ele ou não é sua classe social.

Para dar um exemplo de como a aprovação da PL seria desastrosa para as nossas mulheres e meninas, entre 2011 e 2016, cerca de 49 mil crianças e jovens, entre 10 e 19 anos, foram estuprados no Brasil. E não é de hoje que sabemos que muitas dessas vítimas passam por isso em suas próprias casas e sofrem esses abusos de conhecidos, como pais, tios e até líderes religiosos. Um novo caso, inclusive, veio à tona na semana passada, enquanto a PL era debatida, quando um pai foi filmado abusando da filha menor de idade que estava internada em um hospital.

Sendo assim, a questão do aborto, tanto em casos de estupro quanto em outras situações, é uma questão de saúde pública, de autonomia das mulheres sobre seus corpos e porque nem toda gravidez —mais ainda nessa situação de abuso —é planejada.

A verdade é que essa é mais uma forma de o Estado e os homens em posição de poder tentarem controlar as mulheres, como se já não existissem formas o suficiente de controle sob nossos corpos. Com a aprovação dessa lei, que é inconstitucional segundo a própria OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), as únicas pessoas a ganharem são esses homens que precisam de leis para terem controle sobre nossos corpos. Mais que tudo precisamos que homens e mulheres sejam aliados à nossa causa. As desigualdades e violências que sofremos são reais e constantes e, para que haja mudanças, precisamos da voz de todos.

Apesar disso, podem ter certeza que não vamos aceitar isso caladas e vamos à luta. Nossos corpos, nossas regras.

Como disse Simone de Beauvoir: "Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre".

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