Ana Estela de Sousa Pinto

É correspondente na Europa. Na Folha desde 1988, já trabalhou em política, ciências, educação, saúde e fotografia e foi editora de 'Mercado'. É autora de 'Jornalismo Diário', 'A Vaga É Sua' e 'Folha Explica Folha'.

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Ana Estela de Sousa Pinto
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Não é pelo US$ 1 milhão

Pesquisas mostram que oferecer prêmio alto pode até piorar desempenho

Prometer dinheiro por um bom resultado dá certo?

Nem sempre, mostram pesquisas de economistas e psicólogos. Pior: a oferta de quantias muito altas pode piorar o desempenho, “um verdadeiro tiro pela culatra”, segundo Emir Kamenica, pesquisador da Universidade de Chicago. 

Prêmios, segundo ele, motivam quando um trabalho é indesejado, mas atrapalham se a atividade é valorizada ou divertida.

Epa! No futebol, então... Pode ser que oferecer US$ 1 milhão (R$ 3,8 milhões) a cada jogador se ganharmos o hexa, como fez a CBF, esteja entre o inútil e o contraproducente.

O mecanismo pelo qual isso acontece ainda não é completamente entendido, diz o especialista em economia comportamental Sérgio Almeida, professor da USP. Uma das causas pode ser o que os cientistas chamam de “choking” —espécie de apagão provocado pela ansiedade.

O efeito já foi comprovado com esportistas —a Universidade de Boston chegou a analisar todos os pontos de todos os jogos dos principais torneios de tênis (Grand Slam) durante dois anos— e vale para atividades em que é preciso manter a cabeça fria.

Num esporte de grupo, como o futebol, o impacto é irregular. De um lado, os temperamentos são diversos; de outro, o peso do prêmio varia: equivale a um terço do salário de Neymar, mas oito vezes o de Alisson.

Guilherme Lichand, da Universidade de Zurique e também especialista em economia comportamental, levanta mais uma limitação: como a escalação já está definida por todo o Mundial, perde-se um trunfo desse tipo de oferta em dinheiro: atrair e segurar os mais competitivos.

Não vai ser pelo US$ 1 milhão, portanto, que a gente vai ganhar a Copa.

Melhor então aproveitar o conhecimento sobre incentivos em outros campeonatos nos quais o Brasil vai mal. Na política profissional, por exemplo, experimentos investigam se salários maiores atraem pessoas mais ou menos interessadas no bem público.

Na educação, pesquisadores têm testado pagar para que os alunos estudem. O Banco Interamericano de Desenvolvimento reuniu experimentos em que isso melhorou o aprendizado e economizou verba pública, e a Universidade Harvard chegou a resultados semelhantes. 

Parece um despropósito oferecer dinheiro para que um adolescente se dedique à escola, como parece óbvio que prêmios estimulam qualquer um. 

Mas senso comum não ganha jogo.
 

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