André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia
Descrição de chapéu carro elétrico

Neoindustrialização e o imposto de importação de veículos elétricos

Política de 'bem-estar socialite' custou R$ 1,16 bilhão aos cofres públicos

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O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) anunciou a aplicação gradativa de um imposto sobre a importação de veículos eletrificados (Iive). Alíquotas diferenciais por tipo de automóvel (híbrido, plug-in e elétrico) vão de 10% (2024) a 35% (2026) e incidirão sobre as importações que excederem as cotas de isenção.

O Brasil segue a tendência global de construir capacidade de produção doméstica nesta indústria nascente. Aplicam esse imposto sobre o setor a União Europeia (alíquotas entre 10% e 20%) e os EUA (2,5%, com alíquota seletiva de 25% para veículos chineses). Tão ou mais importante, esses países condicionam incentivos ao consumo à produção local, no que são seguidos por Coreia do Sul, Japão e México; apenas a China já destinou US$ 100 bilhões em subsídios ao setor.

Apresentação de carros elétricos da montadora chinesa BYD, que os produzirá na antiga fábrica da Ford em Camaçari (BA) - Divulgação - 4.jul.23

Já o atual modelo brasileiro incentiva a produção estrangeira e o consumo conspícuo dos super-ricos. De 2017 a 2022, a importação desses veículos cresceu 775%. Segundo a Anfavea, cerca de 50 mil unidades foram licenciadas em 2022. Como os preços variam de R$ 150 mil (JAC) a R$ 690 mil (Porsche), conclui-se que a isenção beneficia exclusivamente o 0,01% mais rico da sociedade.

Considerando apenas os dez modelos mais vendidos entre janeiro e agosto de 2023, essa política de "bem-estar socialite" custou R$ 1,16 bilhão aos cofres públicos.

Além do custo fiscal, a isenção limita a neoindustrialização ao inviabilizar o adensamento e a sofisticação da produção nacional. Exemplos são as fábricas das montadoras chinesas GMW, em Iracemópolis (SP), e da BYD, em Camaçari (BA). Neste último caso, a intenção é montar "o vale do silício brasileiro", um polo de inovação similar ao que a Embraer estimulou em São José dos Campos (SP).

Assim, proteger essa indústria nascente pode gerar bons empregos e incentivar a inovação tecnológica numa ampla gama de atividades, tais como energia (postos de recarga), eletroeletrônicos (baterias elétricas) e semicondutores (com a feliz restauração operacional do Ceitec, em Porto Alegre).

O imposto de importação integra um conjunto de programas públicos de fomento ao setor automotivo (autopeças, baterias e equipamentos de recarga inclusive). O Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), a Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica (PNME) e o Plano Inova Energia (convênio BNDES-Aneel-Finep) são iniciativas que, se bem coordenadas e monitoradas, induzirão o adensamento produtivo e a germinação de atividades auxiliares (serviços), além de ajudarem a identificar gargalos no fornecimento de insumos essenciais à mobilidade elétrica.

Contudo, à proteção tarifária do setor deve-se somar a exigência, às empresas beneficiárias, de transferência de tecnologia e de contrapartidas na forma de conteúdo local, de investimentos efetivos em inovação, metas de exportação e reinvestimento dos lucros obtidos com a operação local. Sem essa disciplina sistêmica sobre o setor privado, corremos o risco de nos tornarmos plataforma de montagem de baixa sofisticação, exportando empregos de qualidade.

O Brasil tem potencial para ser líder regional da eletrificação do setor automotivo. Temos uma vocação à descarbonização com a produção de veículos híbridos movidos a etanol, os quais poluem menos do que os elétricos quando se considera o processo "do poço à roda".

Neoindustrializar significa aproveitar a janela geopolítica da descarbonização para romper o complexo agrofinanceiro que nos mantém como meros fornecedores de commodities na nova economia verde que se desenha no horizonte.

Nas palavras do poeta, "quem sabe faz a hora, não espera acontecer".

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