Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso
Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Nenhum absurdo balança o terço de eleitores fiéis de Bolsonaro

Pesquisas de opinião atestam resiliência do grupo sólido de entusiastas do presidente

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Tudo de negativo foi dito. Trabalho conjugado de oposição política, analistas e cidadãos. Poucos governos podem se gabar de tal eficácia em suscitar pandemia de críticas, das apocalípticas às cômicas, em todas as línguas e formatos, entre palavras, imagens e perdigotos. E, verdade seja dita, o governo colabora, com torrente cotidiana de motivos, episódios e personagens autodepreciativos.

O maciço apoio à democracia no último Datafolha indica que três quartos dos brasileiros querem manter esse direito de falar mal do presidente, de seus ministros, família e (ex) cachorro.

É tão compreensível esse endosso ao regime político de liberdades quanto a aversão ao desgoverno Bolsonaro. Difícil é entender o terço dos eleitores fiéis ao presidente.

Como os absurdos se encadeiam, seria de esperar erosão da base social bolsonarista. Ela vai sofrendo avarias, mas a comparação entre levantamentos de opinião do começo do mandato até aqui atesta a resiliência de grupo sólido de entusiastas do capitão.

A sequência de enquetes dá o perfil da turma. Antes da posse (Datafolha de 18 e 19 de dezembro de 2018), os superanimados com o futuro governo eram homens (69%), brancos (68%), com ensino superior (59%). Parte converteu-se rápido à igreja do “jairsearrependendo”.

Mas nem todos. Depois de três meses de mandato, 32% achavam tudo uma maravilha, número que baixou um nadica (para 30%) no aniversário de um ano de estabanadas no Planalto.

Veio pandemia, traição de Moro, assassinato de Adriano, prisão de Queiroz e fala grossa do STF. Caíram dois ministros e a máscara, que o presidente não usou, na manifestação pró-ditadura. Nada disso, que impactaria audiência de novela, balançou o sereníssimo terço bolsonarista.

Na última pesquisa (23 e 24 de junho), lá está ele: 32% de ótimo/bom e 20% que sempre confiam no mandatário. Segue mais masculino (36%), de meia-idade (37% de 35 a 44 anos), com mais renda (34% dos com renda familiar de mais de dez salários mínimos, 33% de cinco a dez) e educação (32% com ensino médio, 29% com superior).

Quando se perguntou sobre impeachment, na pesquisa de 25 e 26 de maio, sobressaíram os brancos (54%, 11 pontos mais que os negros) e empresários (72%) como os mais contrários.

Explicações puramente políticas ou econômicas derrapam aqui, pois o apoio é constante com ou sem reformas de Guedes, com ou sem centrão e Moro. São bolsonaristas de coração, infensos a oscilações de mercado e Parlamento, identificados com as convicções morais de Bolsonaro.

Quer o explicite ou não, o terço endossa a retórica do presidente desde a campanha, que gira em três eixos.

O primeiro é um nacionalismo beligerante. A pátria é valor supremo, não se representa por partidos (o presidente nem tem um), mas se encarna em militares, atuais colonos do governo. Pátria armada, em guerra contra ameaças globalistas, a reencarnação do comunismo da Guerra Fria, e também internas, tudo o que destoa de seu estilo de vida. A violência política e a física, via autoarmamento, visariam proteger a comunidade dos verdadeiros brasileiros, os “cidadãos de bem”.

Soma-se o moralismo. Aqui a luta é pela família patriarcal contra a corrupção de costumes —“ideologia de gênero”, “gayzismo” etc. Ajuda nesse combate a transposição da lógica autoritária da família tradicional, que Bolsonaro encarna na sua, para o governo. Anula-se a fronteira moderna entre público e privado, sangue e afeto acima de leis e racionalidade.

Outra face do moralismo investe contra políticas e burocracias públicas “corrompidas”, que o ultraliberalismo guediano quer destroçar, reduzindo direitos e a máquina estatal. É um moralismo que golpeia o Estado moderno por dois flancos, transferindo suas atribuições para a família e o mercado.

O terceiro eixo é o antielitismo. Desde a campanha, Bolsonaro se vende como homem comum, brasileiro médio, sem gosto pela alta cultura. O anti-intelectualismo aparece também na obstinação contra a ciência e sua sede, a universidade. Até o intelectual do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, é um anti-intelectual, que, como o ex-futuro ministro da Educação, é malservido de diplomas.

Essa maneira bolsonarista de pensar reduz a realidade a estereótipos, que animam guerra santa contra os de fora do cercadinho de sua comunidade.

Muitos brasileiros andam pelas tampas com tal ideal de pátria, mas o Datafolha mostra que metade do país ainda aguenta o presidente, sua retórica e sua corriola. Collor, na emergência, conclamou: “Não me deixem só” —mas acabou sozinho. Já Bolsonaro tem seu terço de fiéis. Pelo menos por hora, não o empurrarão rampa abaixo.

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