Antonio Nucifora

Economista-chefe do Banco Mundial para o Brasil, já trabalhou para a instituição na Europa, na África e no Oriente Médio.

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Antonio Nucifora

Um Estado para os ricos?

Em minha primeira coluna, enfatizei que o Brasil precisa reduzir os gastos e/ou aumentar os impostos em aproximadamente 5,5% do PIB se quiser evitar uma grave crise econômica. Mas alguém poderá perguntar: reduzir os gastos públicos pode aumentar a pobreza e a desigualdade? Isso depende de quem se beneficia dos gastos públicos e de quem paga os impostos para financiá-los.

Um estudo publicado recentemente pelo Ministério da Fazenda (2017) indica que as políticas públicas no Brasil têm pouco impacto na redução da desigualdade quando comparadas com o desempenho de outros países. Os resultados demonstram que, utilizando todos os tributos e as transferências diretas, o Brasil reduziu a desigualdade em 17%. Usando uma metodologia análoga, porém considerando também as transferências indiretas, isto é, incluindo o acesso a serviços públicos de educação e saúde, Higgins e Pereira (2014) chegaram a um resultado similar, uma redução de 24% na desigualdade.

Comparado a padrões latino-americanos, esse resultado é considerável. Porém, comparado a países da Europa Ocidental com carga tributária semelhante, o resultado é mais fraco. A razão entre carga tributária e PIB no Brasil é de cerca de 33%, próximo ao encontrado na média da União Europeia (37%) e bem acima da média da América Latina (22%). No entanto, Lindert (2017) demonstra que, em um país europeu típico, a política fiscal reduz em mais de 30% a desigualdade entre as famílias. No Brasil, o impacto não chega a 25%. 

Se o impacto da política fiscal sobre a desigualdade não é animador, o impacto sobre a pobreza é alarmante. Higgins e Pereira (2014) demonstraram que, embora as intervenções do governo sejam bem-sucedidas para a redução da miséria, elas levam a um aumento da pobreza extrema e moderada. Os autores utilizaram as linhas de pobreza propostas pelo Banco Mundial, que seguem a seguinte definição: US$ 1,25 na PCC  (Paridade do Poder de Compra) ao dia para indicar miséria, US$ 2,50 PPC ao dia para pobreza extrema e US$ 4,00 PPC ao dia para pobreza moderada. Por meio de transferências diretas e tributos diretos, a miséria foi reduzida em 53%; a pobreza extrema, em 26%; e a pobreza moderada, somente em 11%. No entanto, quando são considerados os tributos indiretos sobre o consumo, a redução da miséria é atenuada para 24%, e a pobreza extrema e a pobreza moderada efetivamente crescem 8% e 18%, respectivamente. Em outras palavras, o resultado são mais pessoas sendo levadas à pobreza extrema e moderada devido ao alto volume de tributos pagos sobre o consumo, do que pessoas sendo tiradas da pobreza pelo recebimento de transferências diretas.

Mas o que leva a esse resultado? No Brasil, o sistema tributário não consegue melhorar a distribuição de renda porque privilegia os impostos sobre o consumo, que tendem a afetar os mais pobres de maneira desproporcional, já que estes precisam comprometer uma parte maior do seu orçamento com o consumo de bens essenciais. Tributos sobre o consumo representam 55% da receita tributária no Brasil, comparado a 32% na OCDE, em média.

Por outro lado, o imposto sobre a renda da pessoa física é proporcional à renda recebida. Porém, no Brasil, apenas 18% da receita tributária é proveniente da renda das famílias, uma vez que muitas fontes de renda não são tributáveis, tais como dividendos. Dessa forma, a tributação sobre a renda não afeta os ricos de maneira adequada, diminuindo o seu impacto redistributivo. Gobetti e Orair (2016) calcularam que, apesar de a alíquota do imposto de renda para os mais ricos ser de 27,5%, os indivíduos que ganham mais de 40 salários mínimos pagam somente 6,4% de sua renda total na forma de imposto sobre a renda, e os que ganham entre 20 e 40 salários mínimos pagam apenas 11,7%. Isso porque o ganho de grande parte dessa parcela da população é declarado como ganhos de capital, dividendos e outras fontes não tributáveis. Além disso, também contribui pare este resultado o fenômeno da “pejotização”. Isto é, pessoas físicas (indivíduos) se transformam em pessoas jurídicas (empresas) e são tributadas entre 4,5% e 16,85% no regime Simples Nacional. Mas, na verdade, muitas delas deveriam ser tributadas em 27,5% no imposto de renda para pessoa física.

Além do efeito prejudicial dos tributos indiretos, outro fator que prejudica a redução da desigualdade e da pobreza no Brasil é que uma grande parcela dos gastos públicos beneficia principalmente a população de renda média e alta, de forma a reduzir um pouco a desigualdade, mas sem reduzir a pobreza extrema e moderada. Os resultados de um relatório publicado recentemente pelo Banco Mundial (2017) apontam, em particular, para os altos salários pagos ao funcionalismo público federal (mais de 94% beneficia os 60% mais ricos da população), os subsídios nos gastos com previdência (82% beneficia os 60% mais ricos da população) e os inúmeros gastos com programas ineficazes de apoio ao setor privado. Nem mesmo exemplos de sucesso como o Bolsa Família, programa totalmente voltado aos mais pobres, têm se mostrado suficientes para corrigir essas distorções.

O sistema tributário brasileiro pode ser melhorado, sem dúvida. Mas, seu atual impacto negativo é agravado pelos muitos gastos públicos que acabam concentrando ainda mais a renda. A boa notícia é que, dada a situação do Brasil hoje, não há razão para que o ajuste seja ruim para os pobres. Ajustar a rota não será fácil, mas é necessário. Fácil é fugir de difíceis debates em ano de eleição. A escolha é dos brasileiros.

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