Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Menos inferno, mais piano

Não prometo, mas proponho: todo mês, três crônicas sobre o piano, uma sobre o inferno

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Acho que já mencionei aqui, antes: quando comecei a escrever na Folha, toda vez que, embevecido pelo novo-riquismo da coluna própria, me arvorava a dar pitacos sobre política, economia, agropecuária, filatelia ou metempsicose, meu pai mandava um repreensivo email em branco, só com o assunto; “Crônica...”. Entre o “a” final e o último ponto das reticências, vai toda uma visão de mundo.

Semana passada, recebi uma cobrança parecida do leitor Paulo Martins Malta. Paulo estava revoltado porque vinha lendo a minha coluna, a da Tati Bernardi e a do Juca Kfouri e não encontrava mais humor, sacadas, opiniões sobre futebol. Era só “aquele” assunto. “Aquele” assunto. E “aquele” assunto que prefiro não nomear, em respeito ao Paulo.

“Não é possível que o jornal todo não tenha espaço para o leitor respirar”, dizia —deixando claro que também ele estava estarrecido com “aquele” assunto.

Ilustração de uma pessoa vestindo traje de banho e flutuando (com o corpo na horizontal, barriga para baixo, braços ao lado do corpo e pernas juntas) no céu. Há manchas de cores se mesclando em toda a imagem e prédios no fundo da cena.
Adams Carvalho/Folhapress

O email do Paulo chegou a mim, neste momento tétrico da vida na Terra, como um chamado: está na hora de separar os meninos dos homens.

De que lado você está? Depois de anos de covarde vacilação, devo finalmente amadurecer e assumir que sempre estive e sempre estarei de um lado só: o dos meninos. Que os adultos cuidem da política macroeconômica. Das usinas nucleares. Do impeachment do inominável. Eu combaterei o fascismo botando almofadas de pum nos tronos dos imbecis.

O segundo melhor sanduíche do mundo é feito de pastrami, pão de centeio e mostarda, na lanchonete Katz, em Nova Iorque. (O primeiro é o Bauru do Ponto Chic).

Entre outras honrarias históricas pelas paredes do Katz, como estrelas em guias, matérias em jornais e fotos de cenas em filmes de Hollywood, estão as propagandas do estabelecimento durante a segunda guerra mundial. “Mande um salame para seu filho, na guerra!”, sugere o cartaz.

A Katz vendia os salames, que eram enviados junto com a correspondência dos soldados. O que nos leva a pensar que uma guerra se vence não só com bombas, mas também com salames. Pai, Paulo: faço a vocês uma promessa: nestas trincheiras, serei menos bomba e mais salame.

Comi um belíssimo embutido, semana passada: um vídeo do artista plástico Dudi Maia Rosa, no Instagram. Dudi conta, despretensiosamente, como quem procura entender o que fala, enquanto fala, que não conseguia se empolgar com a própria vacinação.

De que valia se salvar no meio deste pandemônio? Então seu filho o lembra do que farão depois da vacina. Vão almoçar juntos. Ele poderá encontrar os netos. Farão um pequeno evento comemorativo. E um pequeno evento comemorativo, meus amigos, é um salame na guerra.

Virar o holofote pra beleza, Dudi nos sugere, é tão ou mais importante do que ficar apontando as trevas, trevas, trevas, trevas. Não se trata de autoajuda superficial. De positividade tóxica. Não é “basta querer para ser feliz”. Muito pelo contrário. A posição é: diante da morte, responderemos com vida. O que, no frigir dos ovos, dá bem mais trabalho do que aceitar o espírito funéreo e seguir por aí berrando e mordendo os cotovelos.

Sempre lembro do filme sobre o pianista Jerry Lee Lewis. O cara está esmerilhando no piano e um pastor, apavorado, grita: “você vai pro inferno!”. Jerry Lee Lewis responde: “Se eu vou pro inferno, eu vou tocando piano”.

Ao Paulo e ao meu pai, farei não uma promessa, mas uma proposta. Todo mês, três crônicas sobre o piano, uma sobre o inferno. Pode ser?

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