Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Antonio Prata

Precisamos falar sobre o Rodrigo Hilbert

Imagino minha mulher googlando o Hilbert e comparando-o comigo, pau a pau --sem trocadilho, por favor

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Seria uma piada velha, caso fosse uma piada. Sendo uma tragédia, porém, é como uma ferida aberta: a cada dia que passa, dói mais. A chaga ardente nos corações de cada marido e esposa do Brasil tem nome, RG, 1,90 m, 40 anos, melenas loiras e porte atlético: chama-se Rodrigo Hilbert.

Para quem não o conhece —e, portanto, vive em paz no recesso do lar, sem se achar um marido terrível ou uma mulher terrivelmente casada—, refiro-me ao ex-modelo, ator, apresentador de TV, pai de filhos lindos e companheiro da Fernanda Lima.

Qualquer mortal pregaria o currículo acima na porta de casa, sentindo-se premiado na roleta russa da vida. Não o Hilbert. Rodrigo primeiro construiria a casa, a porta, forjaria o prego e o martelo, faria o currículo com o papiro por ele plantado, esculpiria uma arma de madeira de replantio com uma única bala que projetaria uma orquídea de origami —na cara da sociedade.

Coloque “Rodrigo Hilbert constrói” no Google e aparecerá: “Rodrigo Hilbert constrói casinha para os filhos”. “Rodrigo Hilbert constrói churrasqueira.” “Rodrigo Hilbert constrói berço.” “Rodrigo Hilbert constrói ponte com os filhos.” “Rodrigo Hilbert constrói capela e se casa com a Fernanda Lima.”

Rodrigo Hilbert e Fernanda Lima se casaram na pandemia em capela construída por ele - Reprodução/Globo

Imagino minha mulher googlando o Hilbert e comparando-o comigo, pau a pau —sem trocadilho, por favor. “Rodrigo Hilbert constrói casinha para os filhos”: o Antonio tentou fazer uma cabaninha na sala e arrancou o lustre. “Rodrigo Hilbert constrói churrasqueira”: com um “churrasco de panela” em cima da máquina de lavar, o Antonio quase botou fogo no prédio —o bouquet de linguiça com tinta carbonizada será uma das recordações amargas desta pandemia. “Rodrigo Hilbert constrói berço”: uma vez o Antonio deixou o Dani cair do trocador. “Rodrigo Hilbert constrói ponte com os filhos”: se o Antonio continuar comendo e bebendo desse jeito, na quarentena, precisará que Rodrigo Hilbert e os filhos construam uma ponte de safena para ele. “Rodrigo Hilbert constrói capela e se casa com a Fernanda Lima”: eu e o Antonio nos casamos em Las Vegas, num drive-thru, com um pastor vestido de Elvis —na fase gorda.

Covardia? Covardia era o Raí, que unia as fantasias femininas do homem bruto e másculo do futebol com a sofisticação francófona de intelectual. O que o Rodrigo Hilbert faz conosco é um massacre. Antes que atirem a primeira pedra —esculpida pelo Rodrigo Hilbert—, admito que nós, homens, precisamos melhorar. Muito. Mas não tanto. Existe um ponto exato em que a ambição vira delírio —chama-se tropeço. Dando um passo maior do que as pernas só avançaremos rumo ao chão.

É bom que eu resolva fazer exercício. Não é bom que eu almeje competir com o Usain Bolt. Rodrigo Hilbert botou na cabeça de cada mulher brasileira que os homens podem ser o Usain Bolt. Elas sofrem. Nós também. Só a Fernanda Lima é feliz.

O segredo da felicidade, já sabiam Sêneca, o estoico, e Sidarta Gautama, o Buda, é a redução das expectativas. Inspirado nos sábios, venho aplicando na manutenção do meu casamento um método que, percebo, agora, poderia ser batizado como anti-hilberteanismo.

Depois de destruir o lustre, incendiar a área de serviço, derrubar o Dani do trocador e ser flagrado na cozinha, de madrugada, bebendo vodca com paçoca, cada dia que passa e eu não promovo uma hecatombe faz o amor da minha mulher aumentar. Alguns invejosos podem dizer que não é amor, é alívio —ou síndrome de Estocolmo. Que seja. Seguimos juntos, aos trancos e barrancos, que é como dá para seguir na quarentena, nós, os que não sabemos construir capelas. Dani passa bem e o lustre, convenhamos, nem era lá essas coisas.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.